Nessa época do ano, a palavra que
mais dizemos ou ouvimos é “felicidade”, seja a desejando aos outros ou
recebendo dos outros esse de desejo de felicidade, quando nos dizem “Feliz Ano Novo” . Na Grécia ,
a “felicidade” não era um “estado
psíquico” ou algo apenas interno , e sim uma “travessia” que não se faz apenas
sozinho. Havia uma palavra que designava tanto “felicidade” quanto “travessia”:
era a palavra “eudaimonia”, que significa “estar na companhia de um bom
Daimon”. Só o bom Daimon auxilia na travessia.
O Daimon era representado com asas de borboleta, e não com asas de
pássaro. Pois os pássaros já nascem com asas, já as asas da borboleta somente
nascem após a metamorfose de um ser que rasteja: a lagarta. O caminho que leva
da lagarta à borboleta não é reto e nem está sinalizado, tampouco o ensinam cartilhas.
Entre a lagarta e a borboleta há uma
metamorfose. Uma metamorfose nada tem a
ver com uma mera transformação. “Trans-formar” significa: “passar de uma
realidade menos desenvolvida a uma mais desenvolvida dentro de uma mesma
forma”, como a criança que se desenvolve em adulto dentro da forma humana.
“Metamorfose”, ao contrário, significa: “conquistar uma realidade nova que não estava contida na
antiga forma”. A metamorfose ensina que a antiga forma nada mais era do que
prisão que nos acostumava a ser lagarta. O Daimon não habita o Céu ou o Olimpo,
ele vive nessa zona que somente se pode atravessar em metamorfose. Manoel de
Barros chama de “deslimite” a esse devir-borboleta. Deleuze intitula “linha de
fuga”. Linha de fuga não é fugir de algo, mas fazer fugir de uma forma uma
potência que ali era sufocada. Para os gregos, a felicidade não advém do ter ou
do possuir, mas do “estar com”, agenciado, em um encontro com um ser que nada
oferece, a não ser desterritorializações, linhas de fuga, horizontamentos. A
mais necessária das travessias não se faz sobre caminhos já prontos e
asfaltados, mas na conquista de uma nova realidade que não existe antes de ser
inventada. Essa “felicidade” nem sempre se mostra de forma evidente, às vezes
ela é “clandestina”, como nos ensina Clarice; pois onde o ódio e a tristeza têm poder e dominam , a
felicidade precisa ser clandestina para
manter viva em nós a sua subversão.
“Borboleta é uma cor que avoa.
”(Manoel de Barros)
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