domingo, 3 de janeiro de 2021

felicidade-travessia

 

Nessa época do ano, a palavra que mais dizemos ou ouvimos é “felicidade”, seja a desejando aos outros ou recebendo dos outros esse de desejo de felicidade, quando nos dizem  “Feliz Ano Novo” .  Na Grécia ,  a  “felicidade” não era um “estado psíquico” ou algo apenas interno , e sim uma “travessia” que não se faz apenas sozinho. Havia uma palavra que designava tanto “felicidade” quanto “travessia”: era a palavra “eudaimonia”, que significa “estar na companhia de um bom Daimon”. Só o bom Daimon auxilia na travessia.  O Daimon era representado com asas de borboleta, e não com asas de pássaro. Pois os pássaros já nascem com asas, já as asas da borboleta somente nascem após a metamorfose de um ser que rasteja: a lagarta. O caminho que leva da lagarta à borboleta não é reto e nem está sinalizado, tampouco o ensinam cartilhas. Entre a lagarta e a borboleta  há uma metamorfose.  Uma metamorfose nada tem a ver com uma mera transformação. “Trans-formar” significa: “passar de uma realidade menos desenvolvida a uma mais desenvolvida dentro de uma mesma forma”, como a criança que se desenvolve em adulto dentro da forma humana. “Metamorfose”, ao contrário, significa: “conquistar  uma realidade nova que não estava contida na antiga forma”. A metamorfose ensina que a antiga forma nada mais era do que prisão que nos acostumava a ser lagarta. O Daimon não habita o Céu ou o Olimpo, ele vive nessa zona que somente se pode atravessar em metamorfose. Manoel de Barros chama de “deslimite” a esse devir-borboleta. Deleuze intitula “linha de fuga”. Linha de fuga não é fugir de algo, mas fazer fugir de uma forma uma potência que ali era sufocada. Para os gregos, a felicidade não advém do ter ou do possuir, mas do “estar com”, agenciado, em um encontro com um ser que nada oferece, a não ser desterritorializações, linhas de fuga, horizontamentos. A mais necessária das travessias não se faz sobre caminhos já prontos e asfaltados, mas na conquista de uma nova realidade que não existe antes de ser inventada. Essa “felicidade” nem sempre se mostra de forma evidente, às vezes ela é “clandestina”, como nos ensina Clarice; pois onde  o ódio e a tristeza têm poder e dominam , a felicidade precisa ser clandestina para  manter viva em  nós a sua subversão.


“Borboleta é uma cor que avoa. ”(Manoel de Barros)
















                                                             ( música de Belchior)





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