Por morar em andar bem alto, de minha
janela tenho uma ampla visão. Apareceu por aqui recentemente um imenso carcará. A cor e a forma das
plumagens do carcará lembram uma farda . Por ser pouco ágil voando, o carcará caça
vasculhando os terraços . Ele fica à espreita de ninhos de pombos construídos
sem o devido cuidado e proteção. Quando o carcará acha um desses ninhos, ceifa com o bico o
futuro que mal saiu do ovo. De longe ficam a olhar os pombos , conformados. Os pombos são
muitos, porém não se unem para afugentar o carrasco. Eles aceitam, lamentam,
ficam resignados.
Porém, tudo muda quando chega um
casal de bem-te-vis. Mesmo o ninho não sendo deles, o casal de bem-te-vis fica
sobrevoando e dando voos rasantes sobre o carcará , muitas vezes acertando sua
cabeça, até o carcará parar seu banquete
macabro. Os bem-te-vis têm menos da metade do tamanho do carcará , e são
menores inclusive que os pombos, porém em audácia e coragem os bem-te-vis são
gigantes . Às vezes, um bando de pardais
se une aos bem-te-vis e põem para correr
o carcará fardado, perseguindo-o pelos céus até o predador de ninhos sumir das vistas.
Depois, os bem-te-vis e os pardais
pousam juntos na antena do prédio mais alto do bairro, onde costumam pousar
gaviões e carcarás para espreitarem suas presas. Lá de cima, enchendo de ar livre
o peito, um dos bem-te-vis começa a
cantar um canto bem forte e alto, um canto que parece dizer: “ Predadores, não temos medo de vocês!”.
Quando tudo enfim fica calmo, como verdadeiros aliados que se uniram
para enfrentar o perigo, gratos uns aos outros, bem-te-vis e pardais se
despedem e voltam para seus ninhos.
(neste incrível livro de Manoel de
Barros dedicado a pássaros libertários/libertadores, há um belo poema chamado
“Bem-te-vi”)
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