Uma das frases de Espinosa mais
citadas é aquela na qual o filósofo diz: “Ninguém sabe o que pode um corpo”,
isto é, nunca sabemos previamente o que é capaz de criar , agindo, a potência
do corpo. Exatamente por engendrar algo novo, do criar não se pode ter um
conhecimento prévio. Quando Espinosa fala do corpo, não se deve entender apenas
o corpo orgânico . É preciso ampliar a noção de corpo para compreendermos toda
a riqueza que Espinosa quer nos dizer . A linguagem também é um corpo. É
exatamente por não saber o que pode o
corpo da palavra que o poeta cria sentidos novos com ela, para assim ampliar os
sentidos do que podemos dizer. Na exposição do Museu da Maré está a porta que
fez parte do gabinete de Marielle. A porta está ali não apenas como porta que
foi de um gabinete, mas como parte do corpo da luta de Marielle. Pois também
não sabemos tudo o que pode o corpo social quando ele age para enfrentar
tiranos. Não podemos saber, antes, tudo
o que pode um corpo. Pois para saber o que pode um corpo é preciso agir a
partir dele. Este “não saber” não é uma ignorância acéfala, mas
algo que para ser sabido depende da ação do corpo, que assim engendra saberes
novos ainda não pensados e sabidos.
Espinosa também diz que “o corpo é a alma mesma apreendida de uma perspectiva
diferente”; e que “a alma é o corpo mesmo apreendido de uma perspectiva
diferente.” Assim, não sabemos tudo o que um corpo pode porque também não
sabemos tudo o que pensar pode, desde que compreendamos que o corpo e alma
também são potências . O que pode o corpo das ruas? Pode esse corpo unido enfrentar o poder daqueles que ameaçam de
morte o corpo e a alma de nossa sociedade heterogênea e plural? Somente podemos
saber o que a rua pode nos tornando
ativamente o corpo coletivo dela. Esse
“não saber” o que pode um corpo, seja o corpo das palavras ou o corpo social
(“não saber” esse íntimo à
criação), esse “não saber” também
é o que Manoel de Barros chama de
“ignorãça”.
“Quando permanece algo de
inexplicável naquilo que explicamos, isso nos enriquece de maneira
inexplicável.” (Kerényi)
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