Eu tinha uns 5 anos quando aprendi a
ler, foi
uma das maiores alegrias que senti na vida. Havia uma vizinha professora
que alfabetizava na casa dela. Lembro-me que no quintal dela havia um viveiro com vários passarinhos, e o canto plural deles também
era lição que eu
gostava de ouvir. A professora
me ensinou primeiro o nome de
cada letra. Depois ensinou que cada letra podia, ao se encontrar com outra,
formar um novo ser: a sílaba. Então eu aprendia que “b” com “a” formava “ba”; e que “l” com
“a” formava “la”. Mas quando eu via a palavra “bala” escrita no papel, na
verdade não a via, pois eu não conseguia ver o nome : via apenas as letras
isoladas ou então as silabas “ba” e “la”. Embora a palavra estivesse escrita no papel,
ela ainda não estava escrita dentro de mim. Eu via apenas fragmentos, ou a
união destes, mas não via o todo.
Houve uma noite em que eu folheava um gibi na cama antes de dormir. Eu ia das letras às sílabas, e mais longe não
ia. De repente, sozinho, saltei um
abismo: diante dos meus olhos eu vi, enfim, mais do que o “ba” e o “la”. Eu vi
a palavra “bala” escrita no gibi. A palavra sempre estivera lá, fora de mim, escrita no
papel. Mas agora ela estava também em mim, como corpo de uma ideia. A palavra
não pertencia apenas ao papel agora ,
ela pertencia ao meu pensamento , como
instrumento de exploração do mundo. Depois da primeira palavra, passei para
outra, e depois outra, e outra...Eu estava com tanta alegria que corri até
minha mãe para mostrar que aprendi a ler. Vi nos seus olhos que ela não
entendeu tanta alegria. Aliás, nem eu entendia ( só compreendi essa alegria
quando estudei filosofia e aprendi o que era a alegria para Espinosa). Fiquei
com medo de ir dormir e esquecer o mundo que descobri, mundo este que estava
dentro e fora de mim. Acabei adormecendo com o gibi na mão... Sonhei que a
Mônica e o Cascão, os personagens do gibi, eram passarinhos que cantavam na
minha mão. Assim que acordei reabri o gibi. E com alegria percebi que eu ainda
conseguia, lendo, ouvir o que a Mônica e o Cascão diziam para mim. E é essa
mesma alegria que reencontro quando leio versos como este de Manoel: “Sei falar a língua dos pássaros: é
só cantar”.
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