Segundo Fernando Pessoa, no início
dos tempos o homem andava de quatro, como um cão. Sua coluna vertebral era
paralela ao chão, parecendo um travessão . E sua cabeça estava voltada sempre
para baixo, a procurar por sobras , restos e rastros. O que pôs o homem de pé, segundo o poeta, não foram os pés. O homem foi elevando-se
quando seus olhos se desterritorializaram do chão e se reterritorializaram no
céu aberto acima dos interesses
rasteiros . E foi assim que nasceu o desejo: em latim, “desiderare”, “ir às
estrelas”.
De pé, vista de lado, a coluna
vertebral se assemelha a um ponto de interrogação , pois é o interrogar que pôs
e põe o homem de pé : o interesse estreito, ao contrário, o coloca de quatro, enquanto o medo o põe de
joelhos.
“Em qualquer lugar onde o homem experimentou se pôr de pé, ele
próprio se tornou o centro do grande círculo, e o começo de um caminho”. (Clarice
Lispector)
(imagem: “Poesia”, Haroldo de Campos)
Segundo Deleuze, a reterritorialização que se segue a uma
desterritorialização nunca é uma adaptação, mas sempre uma criação de novos
meios por agenciamento. Por exemplo, a mão humana nasceu da
desterritorialização da pata do
território da locomoção seguida de sua
reterritorialização sobre um pedaço de galho que, por sua vez, se desterritorializou da árvore e se tornou
bastão, instrumento, potencialização da ação. A reterritorialização criou não
apenas a mão: ela criou também
a técnica. Criar algo novo nunca é um ato isolado, mas sempre um
agenciamento, como o agenciamento mão-utensílio. A desterritorialização dos
olhos e sua reterritorialização no infinito criou os olhos poéticos-filosóficos
e a substância infinita que tais olhos
veem e pensam, tal como a viu e pensou Espinosa.
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