Segundo o
mito, antes de tudo existia o Caos. E foi do Caos que nasceu a
primeira divindade: Gaia, a Terra. A palavra "nascer" não é muito
adequada, pois todo nascer pressupõe um pai e uma mãe. O Caos não é homem ou
mulher, macho ou fêmea, tampouco o Caos é filho de alguma coisa. O adequado
talvez seja dizer que Gaia emergiu do Caos, tal como uma ilha que sobe do fundo
do oceano. Gaia emergiu da multiplicidade indivisível de uma realidade
inesgotável. Gaia é singular, incomparável, única de sua espécie: Ancestral Mulher.
De Gaia nasceu Uranos, o Céu. "Nascer" também é um termo inadequado,
já que Gaia não tinha par. Talvez seja mais adequado dizer que o Céu-Uranos foi
um pedaço da Terra que se separou dela, pondo-se acima a gravitar. Nessa época
, a Terra era toda ventre, múltiplos ventres. Cada ventre era uma caverna que
ia dar no Caos, a imanência fértil, da qual a Terra emergiu. E foi por um
desses ventres que veio ao mundo Eros, o Amor. Este ocupou o lugar vazio entre
a Terra e o Céu, pois o Amor fez nascer a ideia de que toda separação é vazio a
ser vencido. Sob o poder de Eros, o Céu deitou-se sobre a Terra: as estrelas
daquele viraram sementes desta, e assim nasceram novos deuses filhos do Céu e
da Terra. Cada divindade nova nascia das estrelas do Céu plantadas como
sementes na Terra. Talvez seja isso que queira dizer Manoel quando ensina que
"poesia é celestar as coisas do chão." Entre essas estrelas-sementes
a mais potente foi Cronos, o Tempo, filho do Céu e da Terra unidos por
Eros.
“A literatura é o esforço para
interpretar engenhosamente os mitos que não mais se compreende, por não
sabermos mais sonhá-los ou produzi-los.” (Deleuze)
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