Hoje me lembrei de uma
belíssima aula do professor e filósofo Cláudio Ulpiano na qual ele narrava algo
extraordinário que fazia não um poeta , um educador ou um pensador , mas
a reunião de um poeta, de um educador e de um pensador num único ser
alado e canoro: o passarinho tordo.
Quando vem o fim da tarde, esse
poeta da natureza sobe ao galho mais elevado de sua árvore e canta para o sol
que lhe dera um dia. É um canto de resistência e afirmação da vida,
um canto de “Amor Fati”, seja o que for que tenha acontecido naquele
dia.
Quando o sol se põe , na borda do
céu perto do horizonte tudo fica colorido de púrpura. O púrpura nasce da
composição da cor azul, a cor dos “celestamentos” (
diria Manoel de Barros) , com o vermelho, cor do sangue ( não
enquanto este é derramado na violênci4 e b4rbárie, mas quando corre nas veias e
irriga o corpo de oxigênio e vida ).
É um canto belo e potente, porém
misterioso : os biólogos não conseguem explicar por qual razão o tordo canta esse
canto. Como um poema, o canto não tem finalidade
utilitária, porém desperta finalidades
mais elevadas; feito uma aula de filosofia, o canto nada serve aos que só se
interessam por “fórmulas” e “tabuadas” , uma vez que ele faz pensar para além das ideias limitadas.
Além disso, quando o tordo assim
canta, ele corre riscos. Pois soturnas aves de rapina ficam à
espreita para predar o tordo-pensador-artista. Mesmo
correndo riscos, o tordo não se cala e , cantando, se horizonta ao
céu-púrpura aberto e ilimitado. E quem o ouve, se horizonta também.
E a lição maior do que Cláudio nos dizia , também
a encontrei depois sob a forma de versos , quando Manoel de Barros escrevia: “Inventar
uma tarde a partir de um tordo”. Inventar uma tarde púrpura e horizontada, uma “linha
de fuga”, sobretudo quando a treva nos
circunda.
Hoje, 14 de novembro, é o dia de
nascimento de Cláudio Ulpiano . Tive a alegria de ter sido seu aluno . Este
texto é uma pequena homenagem a Cláudio, cujas aulas
são verdadeiros cantos de tordo que horizontam caminhos.
Como ensinava Cláudio: “Só a boa
metáfora pode dar ao estilo uma espécie de eternidade.”
Viva Cláudio Ulpiano!
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