quinta-feira, 14 de novembro de 2024

tordos...

 

Hoje me lembrei  de uma belíssima aula do professor e filósofo  Cláudio Ulpiano na qual ele narrava algo extraordinário que fazia não um poeta , um educador ou  um pensador , mas a reunião de um poeta, de um educador e de um pensador   num único ser alado e canoro: o passarinho tordo.

Quando vem o fim da tarde, esse poeta da natureza sobe ao galho mais elevado de sua árvore e canta para o sol que lhe dera um dia. É um canto de resistência  e afirmação da vida, um canto de “Amor Fati”, seja o que for que tenha acontecido naquele dia.  

Quando o sol se põe , na borda do céu perto do horizonte tudo fica colorido de púrpura. O púrpura nasce da composição da cor azul, a cor dos “celestamentos” ( diria   Manoel de Barros) , com o vermelho, cor do sangue ( não enquanto este é derramado na violênci4 e b4rbárie, mas quando corre nas veias e irriga o corpo de oxigênio  e vida ).

É um canto belo e potente, porém misterioso : os biólogos não conseguem explicar por qual razão o tordo canta esse canto. Como um poema, o canto  não tem finalidade utilitária, porém  desperta finalidades mais elevadas; feito uma aula de filosofia, o canto nada serve aos que só se interessam por “fórmulas” e “tabuadas” , uma vez que  ele faz pensar para além das ideias limitadas.

Além disso, quando o tordo assim canta, ele corre riscos. Pois soturnas aves de rapina ficam  à espreita para predar o tordo-pensador-artista. Mesmo correndo  riscos, o tordo não se cala e , cantando, se horizonta ao céu-púrpura aberto e ilimitado. E quem o ouve, se horizonta também.

E  a lição maior do que Cláudio nos dizia , também a encontrei depois sob a forma de versos , quando Manoel de Barros escrevia: “Inventar uma tarde a partir de um tordo”. Inventar uma tarde púrpura e horizontada, uma “linha de fuga”,  sobretudo quando a treva nos circunda.

Hoje, 14 de novembro, é o dia de nascimento de Cláudio Ulpiano . Tive a alegria de ter sido seu aluno . Este texto é uma pequena homenagem  a Cláudio, cujas aulas são  verdadeiros cantos de tordo que  horizontam caminhos.

Como ensinava Cláudio: “Só a boa metáfora pode dar ao estilo uma espécie de eternidade.”

Viva Cláudio Ulpiano!




 

 

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