domingo, 17 de novembro de 2024

Ócio e filosofia

 

Há uma ideia muito equivocada que se atribui a filosofia ao ócio, como se o estudo da filosofia dependesse do ócio. Esse equívoco vem de certa interpretação anacrônica das condições segundo as quais a filosofia grega era ensinada e praticada em suas escolas.

Na verdade, o tal “ócio” filosófico  significa : “dispor de tempo livre”, isto é, de tempo livre para se dedicar à filosofia , e não de tempo livre para não fazer nada ou se entregar à preguiça. Os que buscam o ócio para a preguiça, e associam o ócio a não fazer nada, esses jamais agenciarão sua vida à filosofia, uma vez que o estudo da mesma requer esforço e dedicação .

Epicteto, por exemplo, nasceu sob a condição de escravo, e mesmo ele encontrava tempo para se dedicar à  filosofia. Aliás, o primeiro efeito da filosofia em nossa vida é exatamente não perdemos tempo , como ensina Proust, com coisas que nos roubam tempo ( e esse mundo digital está repleto de ladrões assim, ladrões que nos roubam com nosso consentimento voluntário...).

Mas aquele que quer  realmente  dispor de seu tempo, descobre que dispor do tempo é, primeiramente, dispor da própria vida, conquistando autenticidade e autonomia. 

Vejam o caso da poeta Carolina de Jesus: mesmo vivendo em condições materiais extremamente difíceis , ela conseguia tempo para se dedicar ao estudo e à leitura. O tempo que assim se conquista também serve de resistência anímica , já que ele não se mede em termos quantitativos do relógio que afere o tempo mecânico do trabalho, mas em duração qualitativa e intensiva.

Não é o ócio a condição da filosofia, e sim o saber dispor do tempo, evitando desperdiçar o mesmo em práticas que nos roubam exatamente o tempo.

Assim compreendido, o tempo de que dispomos é como a água de uma cisterna. Alguns a desperdiçam lavando calçada,  e imaginam assim fazer bom uso dela; mas há os que a reservam para matar a sede e satisfazer a necessidade  , sem esquecer de  regar  as flores e manter viva a beleza.

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