Há uma ideia
muito equivocada que se atribui a filosofia ao ócio, como se o estudo da
filosofia dependesse do ócio. Esse equívoco vem de certa interpretação anacrônica
das condições segundo as quais a filosofia grega era ensinada e praticada em
suas escolas.
Na verdade, o
tal “ócio” filosófico significa :
“dispor de tempo livre”, isto é, de tempo livre para se dedicar à filosofia , e
não de tempo livre para não fazer nada ou se entregar à preguiça. Os que buscam
o ócio para a preguiça, e associam o ócio a não fazer nada, esses jamais
agenciarão sua vida à filosofia, uma vez que o estudo da mesma requer esforço e
dedicação .
Epicteto, por
exemplo, nasceu sob a condição de escravo, e mesmo ele encontrava tempo para se
dedicar à filosofia. Aliás, o primeiro
efeito da filosofia em nossa vida é exatamente não perdemos tempo , como ensina
Proust, com coisas que nos roubam tempo ( e esse mundo digital está repleto de
ladrões assim, ladrões que nos roubam com nosso consentimento voluntário...).
Mas aquele que quer realmente dispor de seu tempo, descobre que dispor do tempo é, primeiramente, dispor da própria vida, conquistando autenticidade e autonomia.
Vejam
o caso da poeta Carolina de Jesus: mesmo vivendo em condições materiais
extremamente difíceis , ela conseguia tempo para se dedicar ao estudo e à
leitura. O tempo que assim se conquista também serve de resistência anímica ,
já que ele não se mede em termos quantitativos do relógio que afere o tempo
mecânico do trabalho, mas em duração qualitativa e intensiva.
Não é o ócio a
condição da filosofia, e sim o saber dispor do tempo, evitando desperdiçar o
mesmo em práticas que nos roubam exatamente o tempo.
Assim
compreendido, o tempo de que dispomos é como a água de uma cisterna. Alguns a
desperdiçam lavando calçada, e imaginam
assim fazer bom uso dela; mas há os que a reservam para matar a sede e
satisfazer a necessidade , sem esquecer
de regar as flores e manter viva a beleza.
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