Na
mitologia , Hermes é considerado o “deus
mensageiro”: é ele que leva as mensagens. Porém, a expressão “Deus” ( ou
“Divindade”) não é adequada para traduzir o universo poético-criativo dessas
narrativas originárias.
A
ideia de “Deus” pressupõe a separação
entre o artista (Deus) e sua obra ( a natureza): Deus teria criado o mundo do
nada, pois ele existia antes de sua obra.
Mas
tal visão não se aplica à invenção poética dos gregos. O Amor , por
exemplo, não existia antes de Eros
nascer: Eros é o Amor mesmo em suas variadas formas, a inseparabilidade do
artista e sua obra ; do mesmo modo, não existiam mensagens antes de Hermes surgir : Hermes expressa a mensagem e os
vários sentidos que ela pode ter, além de sua variedade de meios ( palavras, gestos e
objetos, por exemplo, são meios diferentes através dos quais mensagens podem ser transportadas e comunicadas).
Por
isso, em vez de “Deus”, a expressão mais adequada é “Potência”: Eros, Hermes,
Dioniso, Atena...são a Potência do Amor, das Mensagens, das Artes e do
Conhecimento enquanto processos que podem ser reinventados, pois nunca se
reduzem a uma forma única presa no passado.
Mas
as mensagens que Hermes carregava não eram feitas apenas de palavras , pelo
seguinte motivo : quando era ainda
criança , Dioniso foi vítima do
ódio e da vingança , sendo
despedaçado pelos seus carrascos.
Hermes
então recolheu e guardou o coração de Dioniso, antes que os vingativos e
ressentidos o esmagassem. Desde então, Hermes só transporta mensagens que aceitem ter um
coração dentro.
Suas
mensagens não trazem apenas meras
informações utilitárias, mas sentidos emancipadores que educam, sensibilizando.
Nunca tais mensagens se prestam ao ódio
ou ao preconceito, e sim à gentileza e
ao cuidado, mesmo quando criticam.
Isso
também significa que toda mensagem tem um coração, que é o seu sentido, e cada
um interpreta esse sentido conforme o coração
que tem. Se o coração de alguém for generoso, enriquecerá o sentido; se
o coração for mesquinho, apequenará o sentido.
Vencendo
a barreira da prosa, tais mensagens também se expressam no verso e no canto.
Elas também podem ser ditas em gestos , objetos e em obras de arte, desde que sejam para
defender e potencializar a vida, para assim resistir e lutar contra tudo aquilo que quer
despedaçá-la.
São
mensagens assim que o poeta deseja
também escrever, quando diz: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”
(Manoel de Barros).
Essas potências criadoras-poéticas existem para serem achadas também em nós, e
reinventadas.
(foto: em protesto contra a violência hedionda, moradores da
comunidade da Maré , onde nasceu e cresceu Marielle, resistem por meio de um
gesto-mensagem: plantam flores , potência de vida, nos buracos das balas. Sua
mensagem afeta e conscientiza, mesmo sem
o suporte das palavras)
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