sábado, 4 de fevereiro de 2023

a escolha de Ulisses

 

A Odisseia, de Homero, tem como cenário o oceano com suas tempestades, calmarias, ilhas desertas, vastidões abertas... E por personagens monstros, divindades, inimigos, armadilhas... É nesse cenário e às voltas com esses personagens que acontece a história de Ulisses.

Ulisses não tinha a coragem de Aquiles, tampouco o senso de comunidade e justiça de Heitor. Porém Ulisses era dotado de um tipo de inteligência capaz de inventar  meios  para vencer e dominar. Foi assim que Ulisses teve a ideia do “Cavalo de Troia”: um “presente” dado ao inimigo para vencê-lo com astúcia.

Após a vitória na guerra de Troia, e vaidoso com sua inteligência astuta, Ulisses se lançou ao oceano em busca de mais vitórias e conquistas desmedidas.

Mas o preço pago por tamanha  ambição foi enlouquecer sua bússola, quebrar  seu leme, perder seus companheiros de viagem e ter seu barco destruído pelas tempestades: sua inteligência astuta e ambiciosa mostrou-se uma forma de ignorância e loucura diante da força , mistério e amplidão do oceano.

Até no Hades , Reino dos Mortos, Ulisses foi parar, parecendo estar  morto para si mesmo. Náufrago  e perdido , Ulisses se refugiou numa ilha . Circe, a divindade dessa ilha, apaixonou-se por Ulisses. Ela curou suas feridas e o fortaleceu.

Por fim, Circe disse: “Ulisses, se você ficar comigo aqui na minha ilha  tornarei você imortal. Nunca mais você sentirá medo, fome, dor e  saudade. Então, você deve fazer a seguinte escolha: ou continuar sendo  parte da frágil  humanidade, vivendo sob o risco dos perigos  e tempestades , ou ficar aqui comigo , na tranquilidade segura da imortalidade  ”.

Mas a resposta de Ulisses não foi dada por sua inteligência astuta ávida por conquistas, propriedades e ouro; a resposta foi dada por seu coração desejoso para ver de novo sua terra natal, sua Ítaca, na qual o esperava Penélope.

Penélope simboliza a alma que resiste ao assédio dos “pretendentes” que tentam comprá-la.  Recordar vem de “re-córdis”: “trazer ao coração”. Foi a recordação de Penélope, fazendo dela a força de sua coragem ( “coragem”: “força do coração”), foi essa recordação que levou  Ulisses a escolher a humanidade e retornar à sua terra natal , para isso se lançando em nova viagem, desta vez não temendo as tempestades, pois Ulisses agora sabia aonde ir: de volta a si mesmo, ele que se perdeu de si.

A humanidade não é o “Homem”, a humanidade é um valor que somente existe se for criado  por  nossas escolhas éticas e políticas, pois escolher a  humanidade também precisa ser uma  escolha coletiva.

Apesar das tempestades, é sempre em direção à humanidade que precisamos ir. Ela é , ao mesmo tempo, a bússola, o leme ,  a  viagem e o porto : a terra natal onde reside/resiste nossa Penélope-Psiquê .

 

( para crianças e jovens, vale a pena essa edição narrada por Ruth Rocha, porém a interpretação que fiz se inspira em  Sêneca, na carta 88 das “Cartas a Lucílio”)







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