Entre os tupinambás que aqui viviam ,
quando um guerreiro da comunidade morria era necessário um último ritual. Os
tupinambás foram povos guerreiros que nunca aceitaram ser escravizados. Eles só
consentiam como chefe aquele que maior capacidade tinha em se desapegar do
poder e servir à comunidade.
Os tupinambás não faziam guerra para
ampliar posses ou fazer escravos. Eles guerreavam quando sentiam sua liberdade
em risco, pois não aceitavam viver sem honra. Para eles, a morte era a última
prova, prova do que foram em vida, especialmente para os chefes e guerreiros
tidos como corajosos, generosos, leais.
Então, quando um guerreiro morria,
pintavam seu corpo com as tintas extraídas do jenipapo. Colocavam junto ao
corpo seu arco e flecha, bem como a flauta feita com o fêmur oco do colonizador. Pois os tupinambás
faziam flautas com o fêmur dos colonizadores que tentavam escravizá-los. Muitas
vezes, eles nem precisavam guerrear: quando os invasores se aproximavam da aldeia, bastava os
tupinambás começarem a tocar as flautas
para as pernas do homem colonizador,
pernas brancas igual a palMito, tremerem e saírem correndo com medo de
virarem flauta também ...
Ao fim da tarde , como parte dos
rituais fúnebres, punham o corpo do guerreiro numa canoa e a empurravam em
direção ao horizonte. Os tupinambás não acreditavam na separação entre mar e
céu. O azul comum de ambos confirmava suas crenças: o horizonte para eles era
apenas um limiar, uma passagem. Guardando essa passagem ficava o Grande
Ancestral.
Se o guerreiro na canoa fora um
dissimulado que a todos iludiu com esperta lábia, disso saberia o Guardião, que
barraria o dissimulado na travessia ao mar do céu. Mas se o guerreiro de fato
fora honrado , e não um farsante, o Guardião o deixava atravessar para no céu
ser eterna estrela.
Na manhã seguinte ao ritual, ao raiar
do dia, os tupinambás corriam à praia para ver se as ondas cuspiram uma estrela
do mar. Se achassem uma, choravam envergonhados diante dos Ancestrais. Mas se
não achassem tal estrela sem luz, na noite daquele dia faziam uma alegre festa,
pois mais um guerreiro valoroso estava brilhando como estrela viva a
protegê-los dos maus.
"Tenho em mim um sentimento de
aldeia e dos primórdios. Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens.
Não sei se isso é um gosto literário ou uma coisa genética. Procurei sempre
chegar ao criançamento das palavras. O conceito de Vanguarda Primitiva há de
ser virtude da minha fascinação pelo primitivo. Essa fascinação me levou a conhecer
melhor os indígenas.” (Manoel de Barros)
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