sábado, 28 de agosto de 2021

PARA O MEU TATATARAVÔ TUPINAMBÁ

 

Entre os tupinambás que aqui viviam , quando um guerreiro da comunidade morria era necessário um último ritual. Os tupinambás foram povos guerreiros que nunca aceitaram ser escravizados. Eles só consentiam como chefe aquele que maior capacidade tinha em se desapegar do poder e servir à comunidade.

Os tupinambás não faziam guerra para ampliar posses ou fazer escravos. Eles guerreavam quando sentiam sua liberdade em risco, pois não aceitavam viver sem honra. Para eles, a morte era a última prova, prova do que foram em vida, especialmente para os chefes e guerreiros tidos como corajosos, generosos, leais.

Então, quando um guerreiro morria, pintavam seu corpo com as tintas extraídas do jenipapo. Colocavam junto ao corpo seu arco e flecha, bem como a flauta feita com o  fêmur oco do colonizador. Pois os tupinambás faziam flautas com o fêmur dos colonizadores que tentavam escravizá-los. Muitas vezes, eles nem precisavam guerrear: quando os invasores  se aproximavam da aldeia, bastava os tupinambás começarem  a tocar as flautas para as pernas  do homem colonizador, pernas brancas  igual a palMito,   tremerem e saírem correndo com medo de virarem flauta também ...

Ao fim da tarde , como parte dos rituais fúnebres, punham o corpo do guerreiro numa canoa e a empurravam em direção ao horizonte. Os tupinambás não acreditavam na separação entre mar e céu. O azul comum de ambos confirmava suas crenças: o horizonte para eles era apenas um limiar, uma passagem. Guardando essa passagem ficava o Grande Ancestral.

Se o guerreiro na canoa fora um dissimulado que a todos iludiu com esperta lábia, disso saberia o Guardião, que barraria o dissimulado na travessia ao mar do céu. Mas se o guerreiro de fato fora honrado , e não um farsante, o Guardião o deixava atravessar para no céu ser eterna estrela.

Na manhã seguinte ao ritual, ao raiar do dia, os tupinambás corriam à praia para ver se as ondas cuspiram uma estrela do mar. Se achassem uma, choravam envergonhados diante dos Ancestrais. Mas se não achassem tal estrela sem luz, na noite daquele dia faziam uma alegre festa, pois mais um guerreiro valoroso estava brilhando como estrela viva a protegê-los dos maus.

"Tenho em mim um sentimento de aldeia e dos primórdios. Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens. Não sei se isso é um gosto literário ou uma coisa genética. Procurei sempre chegar ao criançamento das palavras. O conceito de Vanguarda Primitiva há de ser virtude da minha fascinação pelo primitivo. Essa fascinação me levou a conhecer melhor os indígenas.” (Manoel de Barros)








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