Quando eu era ainda estudante,
fui acampar numa ilha. Certa noite , já
bem tarde, decidi dar uma volta pela praia. Vi então a seguinte cena: um pescador bem idoso,
porém firme, empurrava
sua canoa em direção ao mar. Corri para ajudá-lo. Com a canoa
ainda na areia, perguntei ao velho pescador aonde ele estava indo tão tarde.
Ele respondeu me pedindo para olhar para o céu e descrever o que eu via. “Vejo
muitas estrelas , a noite está linda...”, falei ao pescador. “Não sente a falta de nada?”, indagou. “É mesmo,
não vejo a lua...”, respondi. O velho
pescador então narrou mais ou menos a seguinte história:
“Quando a noite está assim , sem a
luz da lua, as estrelas parecem que ficam bem perto, e isso ajuda na pescaria.
Explico como acontece: como fazem todas as noites , os peixes sobem até próximo
à superfície e ficam à espreita de insetos que pousem na água. Mas em noites assim acontece algo diferente.
Peixe não sabe o que são as estrelas... Então, quando os reflexos das estrelas
vêm tremeluzir na superfície da
água , parecendo que pousam nela, os
peixes olham para cima e imaginam que
tais reflexos são o piscar de vaga-lumes. Tais
vaga-lumes só existem nos olhos deles, porém eles ignoram essa ignorância que os limita à
crença estreita. E essa forma rasteira
de ver , sem poesia e profundidade, é a pior das cegueiras que aos olhos pode acontecer. Ingenuamente crédulos, os peixes sobem para abocanhar a ilusão criada pela própria mente deles.
Se esses peixes fossem homens, essa cegueira da auto-ilusão teria o seguinte nome: opinião. ”
(Na filosofia , “opinião” não é a mesma coisa que ter uma perspectiva
sobre um assunto. Enquanto a perspectiva
faz parte da construção de um conhecimento, inclusive do
autoconhecimento , a opinião é uma forma
reativa de negar o conhecimento ,enraizada no desconhecimento da própria
ignorância )
(Imagem: “Noite estrelada sobre o
Ródano”, de Van Gogh. Sempre que revejo este quadro, e o revi ontem, lembro do
velho pescador...Se olharmos bem, veremos que
Van Gogh não pinta exatamente estrelas, ele pinta sóis que irradiam dias.
Pois é isto que cada estrela é de verdade: um sol . Em Van Gogh, o “Carpe Diem”,
o “aproveite o dia”, é multiplicado por mil. A noite que Van Gogh pinta é feita
de infinitos dias a brilhar , dias que nunca
morrem : dias que nos auxiliam a levantar a cabeça e os olhos no meio da noite)
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