O racionalista Platão dizia que a
alma humana se assemelha a uma carruagem com um cocheiro e dois cavalos. A
razão é o cocheiro : ela tem as rédeas e
guia a carruagem para um rumo determinado, ao passo que aos cavalos cabe a
obediência à ordem imposta pela razão-cocheiro. Um dos cavalos, de cor branca,
é dócil e obediente aos comandos da
razão: trata-se da Vontade. Mas o outro cavalo, de cor preta, é indomável
e rebelde. Quanto mais a razão quer
comandá-lo, mais rígida ela precisa ser, pois o cavalo insubmisso não obedece
andar em linha reta. O cavalo preto é o Desejo.
Segundo Platão, na carruagem de nossa
alma a razão e o desejo, o cocheiro e o cavalo preto, estão sempre em conflito.
A beligerância nasce pela impossibilidade que a razão encontra de domesticar o
desejo e subordiná-lo às suas ordens.
A moral conservadora é a rédea da razão,
às vezes também seu chicote, mas o desejo não se dobra, resiste, sempre
construindo linhas de fuga que não estão
no mapa que a razão autoritária segue e impõe.
Em
carruagem diferente se locomovia Dioniso
, o Deus das Artes. Dioniso era o próprio cocheiro. Mas, ao invés de
cavalos, sua carruagem era puxada por panteras. Eram temíveis feras
transportando Dioniso e atestando seu poder
para guiar a natureza. As panteras da carruagem não eram domesticadas, elas eram feras. Sem
lhes roubar a liberdade , Dioniso as conduzia
sem usar chicotes ou rédeas. Dioniso , porém, não lhes ia sobre o dorso.
A arte de conduzir o pulsional requer
também a arte das distâncias : nem muito longe, como na transcendência
neurótica, nem muito perto, como na psicose.
A arte não nega ou reprime a natureza
( como faz a moral repressiva), mas a
põe a seu serviço conforme uma força criativa que se conjuga com a potência das panteras. Na natureza, as
panteras são solitárias e jamais se unem. Porém, sob as mãos da arte, as
panteras se tornam forças que se conjugam, que se agenciam, e conduzem a alma
por caminhos por onde a razão não ousa
ir.Dioniso transforma a agressividade
das pulsões-panteras em potência criativa afirmadora da vida. Dioniso é
o próprio desejo que se tornou cocheiro
e guia. A carruagem não segue estradas já mapeadas e sinalizadas, pois o
caminho que a carruagem segue é Dioniso que
o inventa à medida que a carruagem avança.
( imagem: “O triunfo de Dioniso”)
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