terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

a produção do comum


“Os comparamentos matam a comunhão”, afirma o poeta Manoel de Barros. A palavra “comunhão” significa : “participar do que é comum”, porém sem perder a singularidade ou diferença.  Os comparamentos matam o conhecimento do que é uma singularidade, a nossa e a do outro. Por exemplo, numa paraolimpíada faremos uma ideia equivocada da singularidade e potência de cada  atleta paraolímpico se o compararmos com um atleta  olímpico  tomando este último como modelo, dado que a ausência de um braço ou perna no primeiro somente é uma “falta” quando o comparamos com o atleta olímpico que os tenha. Porém, nenhuma comparação nos ensina a conhecer a singularidade de algo. Visto nele mesmo, em sua singularidade, o atleta paraolímpico não se explica por algo que lhe falta, mas por aquilo que ele é capaz de fazer. E neste fazer não há falta, há potência como expressão da vida. Cada atleta paraolímpico é incomparável. Ser incomparável nada tem a ver com ser o primeiro de uma escala que vai do primeiro lugar ao último. Ser incomparável é ser único, fazer-se único. Para compreender a singularidade do atleta paraolímpico, no entanto, é preciso ter em vista a realidade comum da qual ele e o atleta olímpico fazem parte. Ter algo em comum não é ser igual ou idêntico, ensina Espinosa. Por exemplo, cada onda do oceano é diferente da outra, pois cada uma é singular. Mas elas têm algo em comum: a água do oceano da qual cada uma é uma expressão singular. Assim, para conhecer  a singularidade de cada onda, é preciso compreender primeiro  a potência infinita do oceano.  Cada grau de azul é diferente de outro grau de azul. Mas eles têm algo em comum: são expressões diferentes da cor azul.  Sem o oceano não há ondas diferentes e singulares, sem o azul não há graus de azul, assim como sem a  humanidade não existe indivíduo humano. Esta é a perniciosa ideia política e econômica do liberalismo individualista que alimenta o culto da “prosperidade” egoica a todo custo: a de que o que vem primeiro é o indivíduo e seu ego, o indivíduo e seu interesse de empreender e ser chefe, dono, proprietário. Essa ideologia que cultua o individualismo, que hoje une a FIESP e a grande mídia ao fascismo,  adoece a vida em sociedade na medida em que ignora e destrói o comum, como se fosse  uma onda delirando ser o oceano , ou um grau de azul querendo ser o próprio azul ( e com isso tomando como inimigos, paranoicamente,  os outros graus  diferentes...)
Enfim, o atleta paraolímpico e o olímpico têm algo em comum: são atletas. Cada um expressa esse comum de acordo com o que pode. E não é apenas com braços e pernas que eles vencem obstáculos , eles também o vencem, sobretudo, com  a força da mente.

“As pessoas só alcançam o grau de liberdade que conquistam ao medo com a audácia.” (Stendhal) , epígrafe do livro “Bem-estar comum”, de Negri  & Hardt.








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