“Os comparamentos matam a comunhão”,
afirma o poeta Manoel de Barros. A palavra “comunhão” significa : “participar
do que é comum”, porém sem perder a singularidade ou diferença. Os comparamentos matam o conhecimento do que
é uma singularidade, a nossa e a do outro. Por exemplo, numa paraolimpíada
faremos uma ideia equivocada da singularidade e potência de cada atleta paraolímpico se o compararmos com um
atleta olímpico tomando este último como modelo, dado que a
ausência de um braço ou perna no primeiro somente é uma “falta” quando o
comparamos com o atleta olímpico que os tenha. Porém, nenhuma comparação nos
ensina a conhecer a singularidade de algo. Visto nele mesmo, em sua
singularidade, o atleta paraolímpico não se explica por algo que lhe falta, mas
por aquilo que ele é capaz de fazer. E neste fazer não há falta, há potência
como expressão da vida. Cada atleta paraolímpico é incomparável. Ser
incomparável nada tem a ver com ser o primeiro de uma escala que vai do
primeiro lugar ao último. Ser incomparável é ser único, fazer-se único. Para
compreender a singularidade do atleta paraolímpico, no entanto, é preciso ter
em vista a realidade comum da qual ele e o atleta olímpico fazem parte. Ter
algo em comum não é ser igual ou idêntico, ensina Espinosa. Por exemplo, cada
onda do oceano é diferente da outra, pois cada uma é singular. Mas elas têm
algo em comum: a água do oceano da qual cada uma é uma expressão singular.
Assim, para conhecer a singularidade de
cada onda, é preciso compreender primeiro
a potência infinita do oceano. Cada
grau de azul é diferente de outro grau de azul. Mas eles têm algo em comum: são
expressões diferentes da cor azul. Sem o
oceano não há ondas diferentes e singulares, sem o azul não há graus de azul,
assim como sem a humanidade não existe
indivíduo humano. Esta é a perniciosa ideia política e econômica do liberalismo
individualista que alimenta o culto da “prosperidade” egoica a todo custo: a de
que o que vem primeiro é o indivíduo e seu ego, o indivíduo e seu interesse de
empreender e ser chefe, dono, proprietário. Essa ideologia que cultua o
individualismo, que hoje une a FIESP e a grande mídia ao fascismo, adoece a vida em sociedade na medida em que
ignora e destrói o comum, como se fosse uma onda delirando ser o oceano , ou um grau
de azul querendo ser o próprio azul ( e com isso tomando como inimigos,
paranoicamente, os outros graus diferentes...)
Enfim, o atleta paraolímpico e o
olímpico têm algo em comum: são atletas. Cada um expressa esse comum de acordo
com o que pode. E não é apenas com braços e pernas que eles vencem obstáculos ,
eles também o vencem, sobretudo, com a força
da mente.
“As pessoas só alcançam o grau de
liberdade que conquistam ao medo com a audácia.” (Stendhal) , epígrafe do livro
“Bem-estar comum”, de Negri & Hardt.
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