(trecho de capítulo escrito por mim no livro acima. Nome do capítulo: "Manoel de Barros e a desfilosofia)
Pop’filosofia: o gosto desfilosófico
O
professor de português ensinava, por exemplo, que o pensamento é uma
redundância que devemos evitar para bem escrever. Então eu lia no clássico
Bernardes: Ele é preciso que as almas ardam. Via que se não houvesse o ele
pleonástico, a frase não teria beleza. Ele é preciso que as almas ardam: que
lindo! É preciso que as almas ardam afirma a mesma coisa, mas a frase não
encanta. Essa era a manifestação de um gosto. É como andar de costas. Penso
agora que aquele gosto teria sido a primeira manifestação do ser poético em mim.
Manoel
de Barros
Os
conceitos não estão na cabeça: são coisas, povos, zonas, regiões, limiares,
gradientes, calores, velocidades.
Deleuze
Muito
já se escreveu acerca da filosofia e sua relação com a linguagem. Observou-se
que as filosofias que enfatizam valores como estabilidade, fixidez, identidade,
forma, etc., tendem a exaltar uma determinada classe de palavras: o
substantivo. Aristóteles, por exemplo, acreditava em um isomorfismo entre a
linguagem e a realidade: o substantivo é, na linguagem, a representação de uma
substância que existiria fora da linguagem. Por outro lado, filosofias que
priorizam a mudança, a fluidez, o devir, põem em destaque os verbos. Os
estoicos vêm à frente nessa postura, como pensamento que ousa dizer o
acontecimento[1].
Deleuze
e Guattari introduzem uma nova percepção nessa relação entre o pensamento e sua
expressão linguística. Além de termos que expressam mudança, eles mostram a
importância de determinadas partículas menores
da linguagem, que passam quase sempre imperceptíveis ao olhar meramente
analítico. Tais partículas não possuem, nelas mesmas, sentido; porém mudam o
sentido de um substantivo quando o acompanham. Tais partículas não expressam
mudanças ou ações como as que indicam os verbos; suas mudanças ou
transformações são de outra ordem. Essas partículas são os prefixos. Quando acompanham
um conceito filosófico, os prefixos devêm autênticas “ferramentas de pensar”: “Quem
não tem ferramenta de pensar, inventa”[2].
[1] Deleuze, Lógica do sentido.
[2] Manoel de Barros, “O fazedor de
amanhecer”. Poesia completa, São
Paulo: Leya, 2010, p. 473.
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