"A eternidade está longe:
brinca de tempo-será" (Manoel Bandeira )
Aconteceu lá no começo das eras : talvez tenha sido uma criança que, brincando, pegou uma semente que recolheu da floresta e a plantou em um pedaço de terra próximo de onde morava. Antes, a planta crescia livre , sem cercas . Agora ela era cultivada por alguém que a desterritorializou de um espaço livre e a reterritorializou em uma terra cercada . Foi assim que nasceu a agricultura: com a domesticação do que antes crescia e vivia selvagem. “Domesticar” significa : “colocar sob o poder de um domicílio” enquanto espaço privado. Mas não era apenas a planta que era assim domesticada, pois junto com ela também era domesticada outra realidade . O homem de então percebeu que a planta nasce, cresce , dá frutos e morre. Ele compreendeu que a planta existe dentro de um período com fases e ciclos. O homem deu um nome para essa realidade feita de ciclos: ele a chamou de “tempo”. Depois, o homem abstraiu o tempo do cultivo empírico das plantas, ficando apenas com a ideia de ciclo , estendendo-a ao cosmos e a si mesmo. E assim se viu criança, adulto e idoso. Ele percebeu que sua vida tinha ciclos, como a vida da planta. Compreendeu que ele era nascimento, vida e morte. A domesticação do tempo constituiu também a descoberta do domicílio onde mora o homem: enquanto os deuses moram na eternidade, o homem tem por morada o tempo. Assim como a planta domesticada passou a viver dentro de cercas, o relógio se tornou a cerca que limita o tempo domesticado.
brinca de tempo-será" (Manoel Bandeira )
Aconteceu lá no começo das eras : talvez tenha sido uma criança que, brincando, pegou uma semente que recolheu da floresta e a plantou em um pedaço de terra próximo de onde morava. Antes, a planta crescia livre , sem cercas . Agora ela era cultivada por alguém que a desterritorializou de um espaço livre e a reterritorializou em uma terra cercada . Foi assim que nasceu a agricultura: com a domesticação do que antes crescia e vivia selvagem. “Domesticar” significa : “colocar sob o poder de um domicílio” enquanto espaço privado. Mas não era apenas a planta que era assim domesticada, pois junto com ela também era domesticada outra realidade . O homem de então percebeu que a planta nasce, cresce , dá frutos e morre. Ele compreendeu que a planta existe dentro de um período com fases e ciclos. O homem deu um nome para essa realidade feita de ciclos: ele a chamou de “tempo”. Depois, o homem abstraiu o tempo do cultivo empírico das plantas, ficando apenas com a ideia de ciclo , estendendo-a ao cosmos e a si mesmo. E assim se viu criança, adulto e idoso. Ele percebeu que sua vida tinha ciclos, como a vida da planta. Compreendeu que ele era nascimento, vida e morte. A domesticação do tempo constituiu também a descoberta do domicílio onde mora o homem: enquanto os deuses moram na eternidade, o homem tem por morada o tempo. Assim como a planta domesticada passou a viver dentro de cercas, o relógio se tornou a cerca que limita o tempo domesticado.
Mas a domesticação da planta não fez
morrer as florestas nas quais as plantas vivem livres, do mesmo modo que a domesticação
do tempo não eliminou o seu existir selvagem enquanto duração para além do relógio. Esse tempo selvagem e livre é o que
alguns filósofos chamam de “devir”. O
devir está para o relógio assim como a
floresta está para a agricultura, ou
como a poesia está para a linguagem: como realidade selvagem, livre, que nenhuma cerca simbólica domestica. Os
relógios nos fazem sedentários angustiados, porém a duração-devir somente pode ser experimentada
se nos fizermos nômades. Enquanto os sedentários vivem olhando para o relógio,
os nômades vivem a olhar para as estrelas, e por elas se orientam. No mito, o
tempo do relógio é chamado de Cronos, a
divindade que a todos devora, ao passo que a duração poética atende por Aion , que era simbolizado por uma
criança que brinca.
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