sexta-feira, 15 de junho de 2018

o pote e o poeta


No poema "Aventura", o personagem é um pote que Manoel de Barros encontra jogado fora de "barriga vazia para cima", “encostado  à natureza”. Nesse estado de abandono, o pote continha apenas o vazio.  Talvez o pote já  tenha guardado  um dia algo muito desejável, e que com avidez  os homens devoraram.Enquanto durou esse conteúdo , o pote foi amado – ou  imaginou que o  fosse. Depois de lhe tirarem tudo , ele   foi então  abandonado pelos mesmos homens que  dele se alimentaram.  “Inútil”,  o pote já não servia para nada, a não ser para metamorfoses, pois é isto que a natureza produz em tudo aquilo que, ao encostar nela, sofre um contágio, uma comunhão: "depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as borboletas", pressagiou o poeta. Mas assim ele se foi: pensando no triste fim daquele pote...
Tempos depois, o poeta teve que passar pelo mesmo lugar ermo.Lembrou do pote e preparou-se para ver de novo aquela imagem do sofrimento. Porém, nesse intervalo de tempo , sem que o poeta soubesse,um passarinho passou voando “atoamente” sobre o pote e cuspiu uma semente em seu ventre vazio. Ali já havia areia e cisco  que a natureza depositou."As chuvas e os ventos deram à gravidez do pote forças de parir". E onde antes crescia o vazio,  agora um vivo poema aflorou: nasceu do  ventre  um pé de rosas .E repleto ficou o pote com a beleza que se oferta sem nada pedir em troca.



(Vaso com Zinnias e Geraniums, 1886 - van Gogh)


Nenhum comentário: