Poesia não é apenas
versificação,
ela também é fabulação*,
narração de mundos.
Paulo Leminski
Segundo
o poeta Leminski, três são as produções mais originais da mente: o Mito, o Conceito
e o Número. A arte tende ao Mito, a filosofia se apoia no Conceito, a ciência
só confia nos Números. O Mito é fabulação, o Conceito é conhecimento, o Número
é descrição. Durante muito tempo, havia apenas o Mito. Depois, o Conceito veio
tomar-lhe o posto . Hoje, o Número pretende dar conta de tudo.
Em
sua origem, o Mito não era arte, pois a arte somente existe enquanto se refere
a outra coisa diferente dela. A arte nasceu quando o homem tomou consciência da
distinção entre algo que é real , “em si” (não sendo, por isso mesmo, inventado), e sua imagem produzida , enquanto
realidade segunda, sensível. Para a arte, a realidade pode ser coisa ou afeto. A pintura, por
exemplo, imita a coisa, ao passo que a música imita o afeto . A poesia reúne
pintura e música, por isso imita coisa e afeto, fazendo do afeto uma coisa real.
Quando
predominava o Mito não havia, portanto, distinção entre realidade e invenção. E
talvez seja este o caráter imorredouro do Mito: a percepção de que toda
realidade é invenção, mesmo a realidade que os Números pensam descrever “neutra
e objetivamente”.
Somente
quando surge o Conceito filosófico é que se teve, ou se inventou, a consciência
da distinção entre realidade e invenção. Por isso, o Conceito inventou a si
mesmo ao mesmo tempo em que inventou a arte. Esta nasce quando o Mito perde sua
força geradora de mundos. O Conceito emerge desqualificando o Mito :este apenas
balbuciaria a realidade sobre a qual o Conceito, e somente ele, sabe dissertar com raciocínios lógicos. O Conceito substitui, ou crê substituir, o Mito
como autoridade única para oferecer resposta à indagação fundamental: para quê
e por que existimos? O Conceito pretende explicar a Origem e o Fim de toda
existência, e não apenas da existência humana. O Conceito assim procede quando
faz Racional Metafísica. Porém, embora
refute o Mito, o Conceito o absorve para fins pedagógicos: o mito se torna a parte retórica e alegórica da filosofia. Por outro lado, o que era apenas um método
ou andaime para o Conceito subir, o Número,
torna-se , com o tempo, o único critério objetivo para a mente se
libertar da imaginação Mitológica e do pensamento metafísico, pois ambos
impediriam a mente de conhecer cientificamente, "clara e distintamente", a realidade. Com o triunfo da
ciência, reina o Número.
Contudo,
o infinitamente pequeno e o infinitamente grande parecem resistir a tal
quantitativismo descricionista, de tal modo que a cosmologia e a microfísica
contemporâneas parecem retornar ao Mito, ao mesmo tempo que reatam amizade com
a metafísica.
Queremos
introduzir um quarto elemento nessa trindade Mito-Conceito-Número. Talvez esse
quarto elemento seja um todo do qual cada um dos três seja um diferencial. Esse
quarto elemento é o Poema. O poema é invenção de mundos, instauração de “por
quês?” e “porquês”, sendo também uma forma de conhecimento não instrumental do mundo. O Poema
pode auxiliar a mente a parar de brigar com a mente, quando se divide em impérios
estanques litigantes; pois a mente é apenas uma, conquanto se expresse vária.
Não seria
isto, talvez, o que Espinosa nomeia “Ciência Intuitiva”?
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* o poeta que é apenas versificador se preocupa mais com o aspecto formal do poema, ao passo que o poeta-fabulador narra mundos, constrói perceptos, instaura sentidos. O poeta versificador é poeta, sem dúvida.Porém, o poeta-fabulador por vezes parece mais do que poeta, assemelhando-se a um filósofo, ou melhor, a um pensador. É no poeta-fabulador que está o Poema , que é mais do que rima e versos.
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