No poema “Escova” Manoel de Barros diz ter visto, quando criança, dois homens "sentados no chão escovando osso". “Esses homens devem ser loucos”, pensou a criança. Porém, ao olhá-los bem, o menino Manoel reparou que as ações dos homens não eram mecânicas. A loucura é um fazer mecânico, “acostumado”. Não importa o que se faça: comprar, comer, beber, teclar, falar, consumir, acumular...se tal coisa se tornou mecânica, “mesmal”, é de loucura que se trata.
O poeta reparou que tais homens faziam o que faziam com “cuidado”. Eles repetiam ações, porém nem toda repetição é mecânica, quando o que se repete nasce do cuidado. Não por acaso, Espinosa imprimiu em seu anel a palavra “caute”, da qual nasceram “cautela” e “cuidado”, bem como “curador”, “aquele que cuida”. Então, o menino-poeta descobriu o que os homens faziam: eles praticavam arqueologia, eram arqueólogos.
O poeta aprendeu algo com o que viu: ele aprendeu a “escovar as palavras”. É preciso escovar nas palavras o que nelas é mera informação, o que nelas é clichê, o que nelas é significado morto, como a poeira que sufocava o osso. Somente assim, escovada, feita novamente embrião, a palavra pode fazer nascer poemas, para assim escovarmos também nossa mente. “Empoemada”, a palavra nos ensina coisas que a razão não ensina. Ao escovar a palavra, não importa qual, o poeta (re)encontra a poesia, pois “a poesia está guardada nas palavras. É tudo o que sei”.
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