Um
professor de filosofia nunca deve comportar-se como um “Profeta”, isto é, como
alguém que imaginativamente, passionalmente, anuncia “Verdades” sobre o que
virá, e que apenas ele sabe o que é preciso fazer para essa Verdade advir. Em
geral, os Professores-Filósofos-Profetas exigem “obediência acrítica” ao que ele profetiza como condição de advinda da Verdade
que ele “ensina”. E essa obediência não é para começar quando advir a Verdade
que ele anuncia, ela deve começar agora, já, mesmo que nenhum sinal indique que
advirá o que ele profetiza. Porém, não
há nenhum sinal de autêntica filosofia nesse profetizar: ao contrário, esse profetizar nada mais é do que um adiar
da autêntica filosofia. Os mais
obedientes ao professor-profeta serão recompensados ( com notas, iniciações, estágios...ou ao menos
terão o privilégio de não receberem seu ódio e vingança, pois em geral os
Profetas vivem mais a odiar , paranoicamente, aqueles que não acreditam em suas
profecias-verdades-aulas do que amar os
que o seguem). Sobretudo, o que um professor-profeta mais odeia, é outro
professor-profeta, cujas verdades se detestam, competindo e rivalizando, de tal
modo que o ódio os une.
Tampouco
um professor de filosofia deve querer-se
um “Messias”, aquele que vai “salvar”, que se crê a própria Verdade: somente
ele ensina a filosofia, mais ninguém. Em geral, o professor-Messias cita poucas
fontes além de si próprio: não menciona outros filósofos, não emprega comentadores
ou outros apoios para sua fala. Mesmo que ele não critique ou menospreze outros
filósofos diretamente, a sua fala egoicamente exclusiva , que porta apenas a
ele mesmo, já é um menosprezo da alteridade e diferença . Professores assim não
querem ensinar, querem ser imitados, inclusive no ódio e no zombar de tudo o
que não seja eles. Eles não formam educandos, eles querem discípulos, mesmo que
medíocres.
Um
professor de filosofia deve assemelhar-se a um apóstolo. “Apóstolo” significa: “aquele
que porta uma ideia, e a comunica”. O apóstolo comunica a ideia que já está nele,
ele não anuncia a advinda de uma ideia
em um futuro incerto. Ele também não se diz a própria ideia, ideia exclusiva que
somente ele é. O professor de filosofia deve ser aquele que comunica e afeta a
partir da ideia que o afetou, singularizando-o. Essa ideia não é apenas uma
ideia intelectual ou teórica, essa ideia é a própria vida, a vida como ideia
que torna viva a nossa alma-ideia. Vida esta que não está apenas nele, mas diferencialmente
em todos.
Profetas
ambicionam falar a muitos, quantitativamente; apóstolos falam sempre ao que há
de único em cada um , mesmo se o ouvem muitos. A ideia que não tem apóstolos
vive apenas nos livros, como ideia teórica. E aqueles que falam dela apenas
teoricamente, são mercadores de livros ou fórmulas, não são apóstolos de
ideias. O apóstolo é mais do que um intelecto que fala, pois nele também há
imaginação e poesia. Sem isso, não há pedagogia.
Sobretudo,
nenhum filósofo é um messias. Messias somente o pode ser a ideia que liberta a
vida que há em nós. Assim, todo autêntico filósofo é, em verdade, um apóstolo.
Platão se quis o apóstolo da Forma, Aristóteles o foi da Substância, Descartes
se queria o apóstolo do Ego, enquanto Kant se apresentava como o apóstolo da
Razão Pura...Deleuze se afirmava apóstolo da Diferença, ao passo que Heidegger
se propunha o apóstolo do Ser. Nenhum deles se colocou como profeta, tampouco
como messias. Geralmente, tais pretensões proféticas ou messiânicas são
encontradas naqueles que nada têm de filósofos, embora posem como tal,
sobretudo quando há o holofote da mídia ou quando está em jogo as benesses da
academia...
Na
verdade, o profeta é aquele que afasta a ideia-messias, afastando-a dele
primeiro, talvez por ódio ao pensamento, ao passo que o messias é uma espécie
de apóstolo de si mesmo, talvez por ódio ao pensamento dos outros. Por outro
lado, a ideia autêntica nunca é aquela
que um profeta anuncia , tampouco pode
ela ser posse exclusiva de alguém que se diga filósofo-messias. Que fique claro também que estamos empregando
esses termos conforme uma tipologia filosófica[1], nada tendo a ver com sua
configuração religiosa, embora filósofos que se pretendam profetas ou messias
estão mais a fazer seitas do que escolas.
Mas de
todo o apostolado que constitui a
filosofia, talvez ninguém tenha sido
mais apóstolo de forma mais potente do
que Espinosa, isso porque seu “messias” é a própria Ideia Infinita, o Absolutamente
Infinito, que nos torna apóstolos sobretudo da alegria, e não da angústia ou da
morte. Um autêntico apóstolo não o é apenas enquanto fala, mas sobretudo enquanto
age.
[1]
Esse emprego das noções de “imaginação-profeta” e “imaginação-apóstolo” se
encontra no livro Espinosa e o problema
da expressão, de Gilles Deleuze, que aqui retomamos, ampliando-lhes o
sentido.
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