O amor passou voando perto de mim.
Roçou-me no ser suas asas,
de saudades sangrei.
Voa o amor às
vezes com navalhas,
e fere quem por ele esperava,
sonhando uma segunda
vez.
OUTONAIS
Nesses
dias de outono, gosto de caminhar ao fim da tarde, na hora em que o sol, já com
saudades, se vai a olhar para trás, a procurar da lua os sinais.
Essa
hora o relógio não sabe qual é, mas a sabem os morcegos e pardais: é a hora em
que estes se preparam para dormir, enquanto aqueles
inauguram voos vesperais.
Gosto
de andar olhando esse quadro sendo pintado, no qual o esboço já é o resultado
dos azuis pincelados em primeira e única
demão : perto de onde se põe o sol o azul se estica num grau mais claro,
enquanto do outro lado um azul anoitado se torna o tapete no qual as estrelas
entrarão.
Porém,
não deixo de perceber o que acontece ao meu redor também : vejo o trânsito e
seus sinais, reparo nas pessoas, nos olhos delas olhando bem.
Estranhamente, a
visão desse firmamento me faz sentir as pequenas coisas cotidianas existindo
mais. E sigo caminhando entre as gentes e coisas, atento ao que acontece, porém
a olhar o céu acima e por detrás.
Tal
experiência não me isola dos demais. Não almejo ascensões astrais. Ao contrário,
parece que vejo mais, que faço parte do que acontece como alguém que segue, mas sem seguir atrás.
Sinto-me fazendo parte
ainda mais, parte da rua, do bairro, da terra, do infinito, da humanidade , das
plantas e dos animais.
Essa experiência
é o oposto do que vejo fazer os que vivem de olhos grudados em celulares e que
tais. Eles se isolam dos outros e de si mesmos, embora se imaginem únicos, os
tais. Vão de cabeça baixa, com olhos
desumanizados a procurar por gente nos
desertos virtuais.
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