- Nem tudo na vida se pode medir... Como alguns já disseram,talvez as coisas mais essenciais fujam ao que podem medir as réguas e números...
- Como assim?
- Pense numa semente: a de um abacate, por exemplo.
- Estou pensando... E daí?
- Você diria que a semente em questão é uma ou múltipla?
- Como assim!? É evidente que ela é uma!
- Mas será que é mesmo evidente?...
- O que você quer dizer exatamente?
- Se essa semente for plantada, nascerá dela um abacateiro, certo?
- Como não dizer que isso é evidente!?
- Calma, prossigamos... Quantos abacates nascerão desse abacateiro?
- Impossível precisar: serão muitos...
- Mas não há dúvidas de que em cada novo abacate uma nova semente surgirá...
- Acho que já sei o próximo passo que você quer dar: se essas novas sementes forem plantadas...
- Pois é...novos abacateiros nascerão.
- Isso faz sentido, mas é muito irreal e abstrato!
- Irreal talvez seja o pensamento que só vê o abacate e o abacateiro,porém é cego para ver o processo que os produziu. O que quero dizer é que não existe o indivíduo de forma isolada, dotado de uma identidade que nunca muda. Dentro de cada semente existe uma floresta inteira: o finito é prenhe do infinito. Mas este só nasce se a semente for plantada e cultivada.
- Acho que compreendi, embora seja muito difícil de entender...
- E digo mais: a alma individual também é uma semente. Potencialmente, dentro de cada alma está a alma da humanidade inteira... Talvez esteja até mesmo a alma daquilo que não é humano. A alma infinita não é feita da mera soma matemática de almas finitas, pois ela já está presente, inteira, na mais simples alma singular. Mas para esta alma maior nascer, é preciso que a alma individual seja plantada e cultivada. Assim, de certo modo, é morrendo que ela, a alma/semente finita, renasce (pois talvez o verdadeiro morrer , e do qual não se renasce,seja aquele de uma alma/semente que nunca foi plantada e cultivada, e que deixa definhar dentro de si as múltiplas possibilidades que ela mesmo desconhece). Dentro da mais simples alma, a de um garoto de rua por exemplo, está a alma de um Machado, de um Cartola, de um Gláuber, de um Guimarães ,de um Pessoa...e, também, a minha alma e a tua na alma do garoto de rua estão. Sobretudo, está em todos a alma infinita que não tem nome, e que só se torna íntima daqueles que conseguiram ir além de sua própria pessoa. E estes só foram o que foram porque souberam encontrar dentro de suas almas a pequena alma de uma criança de rua, ou a alma de um povo inteiro, ou a de um louco, ou a de um índio, ou a dos que os saberes constituídos e opiniões estabelecidas dizem não possuírem alma... Ao encontrarem essa alma infinita dentro de si, após talvez vários desencontros não destituídos de dores, sofrimentos e descrenças , encontraram por fim a si mesmos, de tal modo que conseguiram expressar, com suas respectivas almas , a infinita alma que faz a alma finita germinar. Souberam, antes de tudo, se tornar a terra onde a alma infinita pôde se plantar; e assim se plantaram eles mesmos nessa alma que se plantou neles : cultivando-a, cultivaram-se, mesmo sabendo que seus frutos não seriam para eles mesmos.
- E as almas de um Hitler, de um Mussollini, de um assassino... também estão dentro da alma individual de cada um?
- Mas dentro da semente também não estão as forças que querem destruí-la? A semente também pode ser alimento para o mal, mas este não tem semente.
- Como o inseto que devora a semente?
-Pode-se dizer que sim.
- Como você sabe que cada alma finita tem a alma infinita?
- Procure-a nos olhos de quem você olha; olhe para cada um com os olhos dela.
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