domingo, 6 de dezembro de 2020

o museu de bacurau

 

Na mitologia, “Museu” é filho de “Orfeu”, e é  poeta como o pai. Quando as “Fúrias”, divindades do ódio e da vingança, despedaçaram Orfeu, mesmo arrancada pela violência bárbara   a cabeça do poeta resistiu e continuou cantando. Em cada poema, em cada música, em cada livro e obra de arte que resiste à barbárie, nessas obras a cabeça do poeta ainda pensa e canta. Foi Museu quem recolheu os fragmentos de seu pai e os reuniu num único lugar, criando assim a primeira exposição do mundo.

No filme Bacurau vemos essa simbologia do Museu  ganhar corpo e ação quando a comunidade se vê ameaçada por aqueles que a querem fazer de presa e alvo de uma fascista caçada. No centro de Bacurau, em sua ágora, não estão igreja ou  prefeitura do poder teológico-político, no centro da ágora está o Museu.  E é no Museu de Bacurau que ainda se pode ouvir o canto do Poeta reunindo  o povo para lutar contra quem os ameaça. No Museu de Bacurau estava guardada a memória de um povo que já lutou contra a tirania do poder excludente, luta essa que a “História Oficial” não conta ou tenta esconder. No Museu de Bacurau  estavam as armas que já defenderam quilombos e outras resistências populares, e aquele sangue ancestral ainda corre nas veias dos que defendem Bacurau agora . Enquanto as armas dos neocolonizadores caçam o povo, as armas guardadas no Museu já foram usadas para defender o povo da servidão, sendo então necessárias quando a tirania  novamente  ameaça. E a maior das armas que o Museu guarda é o conhecimento que serve de esteio para a  ação libertária.

Quando os tiranos , de ontem e de hoje,  separam  a cabeça do poeta de seu corpo imaginando que assim  o matam e calam , é do povo que vem o novo corpo , corpo coletivo e plural, que fará o canto de liberdade do poeta renascer de novo.










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