Na mitologia, “Museu” é filho de
“Orfeu”, e é poeta como o pai. Quando as
“Fúrias”, divindades do ódio e da vingança, despedaçaram Orfeu, mesmo arrancada
pela violência bárbara a cabeça do poeta resistiu e continuou
cantando. Em cada poema, em cada música, em cada livro e obra de arte que
resiste à barbárie, nessas obras a cabeça do poeta ainda pensa e canta. Foi
Museu quem recolheu os fragmentos de seu pai e os reuniu num único lugar,
criando assim a primeira exposição do mundo.
No filme Bacurau vemos essa
simbologia do Museu ganhar corpo e ação
quando a comunidade se vê ameaçada por aqueles que a querem fazer de presa e
alvo de uma fascista caçada. No centro de Bacurau, em sua ágora, não estão
igreja ou prefeitura do poder
teológico-político, no centro da ágora está o Museu. E é no Museu de Bacurau que ainda se pode
ouvir o canto do Poeta reunindo o povo
para lutar contra quem os ameaça. No Museu de Bacurau estava guardada a memória
de um povo que já lutou contra a tirania do poder excludente, luta essa que a “História
Oficial” não conta ou tenta esconder. No Museu de Bacurau estavam as armas que já defenderam quilombos e
outras resistências populares, e aquele sangue ancestral ainda corre nas veias dos
que defendem Bacurau agora . Enquanto as armas dos neocolonizadores caçam o
povo, as armas guardadas no Museu já foram usadas para defender o povo da
servidão, sendo então necessárias quando a tirania novamente ameaça. E a maior das armas que o Museu guarda é o
conhecimento que serve de esteio para a
ação libertária.
Quando os tiranos , de ontem e de
hoje, separam a cabeça do poeta de seu corpo imaginando que
assim o matam e calam , é do povo que
vem o novo corpo , corpo coletivo e plural, que fará o canto de liberdade do
poeta renascer de novo.
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