Certa vez, um antropólogo inglês visitou
a tribo de um povo habitante da África. Ao entrar na habitação do pajé da tribo , o antropólogo viu a seguinte
cena: havia uma máquina de escrever
pendurada na parede, como se fosse um enfeite, um objeto artístico. O
antropólogo nada perguntou ou disse. De volta a Londres, o antropólogo
consultou livros e tratados para ver se achava explicação teórica para a ação subversiva do pajé . De repente, o
antropólogo olha para a parede de sua
biblioteca e vê um arco e flecha pendurados como enfeite...Então, ele
compreendeu que o ato que o pajé fizera explica de forma criativa e crítica,
mais do que toda teoria, o ato eurocêntrico que o próprio antropólogo fez com o
arco e flecha raptados daquela cultura. Àquela época, a máquina de escrever era
um dos principais frutos da inteligência técnica. Porém, o ato do pajé fez o
antropólogo pensar em coisas que ele nunca pensou e escreveu em sua própria máquina de escrever.
Graças ao ato artístico-subversivo do
pajé-feiticeiro-bruxo, o antropólogo compreendeu mais acerca de seu próprio
“mundo civilizado” do que lhe ensinaram os livros científicos. Todo objeto é fruto de uma prática
social-simbólica. Por trás de todo objeto, mesmo de um celular de último tipo, existe
uma prática social que o mercado escamoteia ao transformar o celular , ou
qualquer outro objeto, em mero objeto de culto consumista, que “humaniza” o
objeto ao mesmo tempo que “coisifica” o homem. Não apenas os objetos são
resultados de uma prática social-simbólica: os conceitos e ideias com os quais pensamos o mundo e a nós mesmos também o são.
Cada habitante daquela tribo era o outro do branco, mas o branco também era
o outro do povo da tribo. Nem todos são brancos, mas todos são outros: o outro
é o valor mais universal. É essa universalidade da Diferença o que o poder
paranoico mais teme, e é contra ela que
ele quer impor seu modo de viver
homogêneo, “mesmal” ( “mesmal” é como o poeta Manoel de Barros define a “antipoesia”).
Pensar essa Diferença é fazer dela um
“devir-outro” de nós mesmos . Há um
devir-pajé-bruxo em todo poeta, em todo
libertário e pensador cujas palavras são arcos e flechas em ação de resistência
e defesa da tribo, e não como mero enfeite teórico. Para conseguirmos enxergar
o que nos faz humanos nessa época trevosa, na qual até a barbárie é
tecnológica, só mesmo redescobrindo em
nós o olhar ancestral que também é subversivo,
crítico e criativo.
“Nós, os bruxos.” (Deleuze &
Guattari)
- este livro-dicionário é uma excelente leitura : https://contrapoder.net/wp-content/uploads/2020/04/SCHWARCZ-_-GOMES-2018.-Dicion%C3%A1rio-da-escravid%C3%A3o-e-liberdade.pdf
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