Há árvores que são mais do que
árvores: elas também podem ser , para nós, símbolos e ideias. Por exemplo , a amendoeira
e o ipê. Toda a multiplicidade de
amendoeiras que hoje vemos se originou de uma semente única, singular, que veio
clandestina da Índia e atravessou os
oceanos encrustada no casco de uma nau
portuguesa. A amendoeira é prima das oliveiras e era conhecida na Índia como a
“árvore mais resistente”. Assim deve ser cada ideia que vale a pena ser ensinada
e aprendida: uma resistente singular da qual germina uma multiplicidade de
novas vidas.
A flor do ipê é uma das poucas que
floresce colorida durante todo o ano, resistindo até mesmo
ao cinza do inverno. A flor do
ipê assim nos mostra que é possível ser forte e resistente sem perder
a arte de criar beleza. Antes de os colonizadores aqui chegarem, os
índios acreditavam que o ipê era a
própria expressão da força fértil de Pindorama, nossa Terra-Mãe
ancestral . Na mitologia tupi-guarani, um dos sentidos de Pindorama é: “terra
onde os maus são vencidos”. As flores do ipê são sempre de cores múltiplas,
combinando o púrpura, o rosa, o branco e o amarelo . Os antigos colonizadores
tentaram acabar com o ipê, porém não conseguiram, encontrando forte e corajosa
resistência dos índios na defesa do ipê. Então, os colonizadores descobriram
que podiam ganhar dinheiro
sangrando uma árvore chamada
pau-brasil, cuja resina avermelhada corre no tronco da árvore como em nossas
veias o sangue. Foi a partir do comércio
dessa resina cor de sangue que
a terra explorada ganhou novo nome, sendo então chamada de “Brasil”
pelos seus algozes. Por debaixo do culto fascista e pseudonacionalista ao verde e amarelo existe ainda a mesma
mentalidade criminosa que sangrou e
ainda sangra nossa Terra-Mãe, mátria ancestral. Essa mentalidade predadora novamente se volta
contra o ipê, fazendo “vista grossa”
para a derrubada e exportação ilegal de sua madeira, quase sempre sequestrada de terras indígenas. Por trás desse crime
contra o ipê existe algo ainda mais sombrio:
também move essa gente um ódio
niilista às cores , à natureza, à multiplicidade e arte que o ipê simboliza
como imagem que nos liga aos nossos
ancestrais povos da floresta. Que a potência
do ipê, sua ancestral
resistência, permaneça de pé e
também nos fortaleça frente
às forças destruidoras que sangraram
a árvore cujo nome designa o país que essas mesmas forças ainda continuam a
sangrar.
( em Brasília , os ipês são patrimônio
ecológico , não podem ser derrubados; essa
decisão protetiva antecede a subida ao poder dos exterminadores que lá estão)
( foto: Walter Arruda)
https://www.hrw.org/pt/news/2019/09/17/333774
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