quinta-feira, 12 de março de 2020

manoel de barros: "ignorãças..."


O maior sábio da Grécia não foi Sócrates, Platão ou Aristóteles. O maior sábio foi Tirésias. Ele não se tornou sábio obtendo  erudição dos livros ou ouvindo os  doutos. Tirésias se tornou sábio   a partir de algo que ele viu e viveu . Assim  aconteceu : atrás da casa de Tirésias passava um rio. Do rio vinha a água que ele bebia e o alimento que pescava. Até que um dia Tirésias se fez uma pergunta: “De onde vem esse rio? Onde fica seu minadouro?”. Tirésias resolveu então  ir contra a corrente no esforço para achar a nascente. Somente  indo contra a corrente  se pode achar  nascentes, de rio ou de ideias . A fonte nunca vive no “acostumado” , no “mesmal”. Não demorou para alcançar  partes onde o rio, embora o mesmo, já não lhe era conhecido : viu em suas margens flores que nunca tinha visto, ouviu passarinhos dos quais não sabia o nome.  Enquanto prosseguia, não via trilhas ou pegadas. Sentindo-se correndo riscos, Tirésias   hesitou, quase abortando sua “linha de fuga”. Até que ele olhou à frente e viu alguém a se banhar na fonte da qual o rio nascia. Era Atena, a deusa da sabedoria. Ela estava nua... A  sabedoria precisa às vezes se banhar  para reinventar-se nova. Nas academias e bibliotecas  , a sabedoria se veste de livros e teorias. Ela nunca se mostra nua   nesses lugares. Quem a conhece apenas  vestida pode  até se tornar  um teórico ou cientista, mas nunca será  um pensador ou poeta. Tirésias então percebeu que ao se despir das teorias é como poesia que a sabedoria então  se mostra a quem  teve que se perder  para encontrá-la.
O poeta Manoel de Barros  chama a sabedoria nua de “ignorãça” .  A   autêntica sabedoria  é fonte que renova a si mesma  para que em nós  não seque a vida.
                                                                                                                                                
“A palavra abriu o roupão para mim:
ela quer que eu a seja.” (Manoel de Barros)



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