É impossível "chover para
cima", ou as ondas nascerem na margem da praia e irem para o horizonte.
Sabemos que é impossível acontecerem essas coisas porque compreendemos o que é
natural acontecer: é natural a chuva vir de cima, é natural as ondas se
formarem no horizonte e chegarem à praia. Sabemos da impossibilidade de “chover
para cima” porque sabemos, primeiro, qual é a realidade da chuva, a sua maneira
de ser. É conhecendo a realidade de alguma coisa que podemos saber de sua
impossibilidade e , também, de suas possibilidades. Se sei que a realidade
natural da chuva é cair do céu, antes que ela de fato caia penso sua
possibilidade e me preparo :busco um guarda-chuva, limpo a calha ou ponho a
planta na janela para ser molhada. Mas aquele que não conhece a realidade
natural das coisas, volta e meia delira impossibilidades como se fossem
possibilidades que sua imaginação crê serem mais reais do que a própria
realidade que a ciência e a filosofia nos fazem compreender. Porém , é apenas
na imaginação e na linguagem que a chuva pode “chover para cima”: se for em um
poema, é apenas verso; mas se for em uma mente ignorante e supersticiosa, tal
ideia confusa torna-se um perigo contra a própria existência, se os portadores
de tal mente delirante se apossarem do Estado e da educação das crianças.
Quando Espinosa dizia que “a democracia é o mais natural dos regimes”, ele quis
fazer uma imagem semelhante àquela da chuva. Assim , é natural o homem ser
livre e rebelar-se , cedo ou tarde, contra aqueles que vão contra essa sua
natureza democrática. Os que combatem essa natureza democrática também
combaterão a ciência, a filosofia e a liberdade de agir e pensar , pois
ciência, filosofia e liberdade de pensamento são expressões daquela natureza
democrática do homem e nos permitem compreendê-la e efetuá-la. Quando Espinosa
afirma que "a democracia é o regime mais natural", não há otimismo
nisso, tampouco idealismo. É a compreensão de uma necessidade semelhante àquela
que faz a chuva vir do céu. Nesse sentido, democracia não é só voto, partido,
parlamento. Democracia é, e sempre será, re-existência: religar o homem à
existência, resistir pela existência, potencializando-a .
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