terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

embriagar-se, mesmo com leite

O carnaval é uma festa muito antiga. Ou melhor, o carnaval é o protótipo das festas. Entretanto, o nome “carnaval” é mais recente do que o acontecimento que tal nome designa. Quando foi inventado pelos romanos, para designar uma prática que o antecedia e que vinha de outro povo,  esse nome  expressava mais a distância de que se estava do acontecimento do que propriamente sua essência. “Carnaval”, como “festa da carne”, é um nome que se deu ao rio quando este já se ia muito longe de sua fonte. “Festa da carne” não traduz exatamente o que era, em sua origem, o que hoje chamamos de carnaval.
Sua origem se confunde com o começo mesmo da Grécia. Não a Grécia de Platão ou Aristóteles, Grécia historicamente estabelecida. A Grécia na qual nasceu a festa é uma pátria  sem fronteiras demarcadas, nem ocidente e nem oriente, escondida na história e dentro da alma de cada homem que , ainda hoje, sente a necessidade , idêntica ao desejo, de pôr uma fantasia , e ser uma fantasia. Talvez a essência do carnaval não  esteja escondida apenas dentro da alma inconsciente do homem, mas  de tudo o que tenha vida.
Pois é este o sentido genuíno da festa: libertar a vida do homem, desaprisioná-la da rotina e ritos, para assim suspender o império da consciência. Foi isso que ensinou Dioniso aos homens: tornar a vida de novo inocente, sem culpa, sem memória do ontem e sem expectativas do amanhã. Foi Dioniso quem ensinou a festa aos homens. Ele os ensinou a brincar como suprema brincadeira o existir.
Era em festa que se seguia Dioniso. A ocasião dessas festas era a colheita. O produto assim extraído da terra não era posse particular de ninguém, tampouco existia para ser acumulado. Colhe-se o que se plantou. E o que se plantou foi colocado no ventre da terra. Esta somente pode gerar novamente vida se de novo estiver fértil. Na plantação que se fizera  a terra se deu e expirou, morreu. A festa é a celebração de novamente haver um começo. A festa nasceu como triunfo da vida em relação à morte, simbolizado pela terra que renasce em cada colheita.
E era isto a vida para os gregos: um triunfo. Não o triunfo de uma vida sobre outra vida, mas triunfo da vida sobre o seu fim. A festa é o renascer da terra acontecendo no nascer do fruto novo.

Quando nascem, nus e de olhos fechados,os homens nada sabem, por isso choram. A festa é o nascer sabendo-se, mas sem que se possa conhecer o porquê de se nascer, e nem para isso buscar, com teorias,  uma finalidade no distante. Se os bebês nascessem sabendo o que é o morrer, e que seu nascer é um triunfo, decerto que nasceriam festejando.E como vinho beberiam o seu puro leite, embriagando-se.



(Attika, orquestra grega de mandolins)

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