Segundo o mito, antes de tudo
existia o Caos. Para os gregos, o “caos original ” não é destruição ou
trevas. Um dos sentidos de caos é
“Abertura Ampla”, que não pode ser cercada, limitada ou contida. Manoel de Barros diz que “não se
pode passar régua no Pantanal”, pois no Pantanal os rios saltam das margens e
se horizontam. O Pantanal é o caos poético de Manoel. E é por isso que em cada verso dele podemos
achar aquela Abertura da qual vem um ar
vital que não nos deixa sufocar. No
mito, foi do Caos que nasceu a primeira divindade: Gaia, a Terra. A palavra
"nascer" não é muito adequada, pois todo nascer pressupõe um pai e
uma mãe. O Caos não é homem ou mulher, macho ou fêmea, tampouco o Caos é filho
de alguma coisa. O adequado talvez seja dizer que Gaia emergiu do Caos, tal
como uma ilha que sobe do fundo de um oceano insondável. Gaia é a Ancestral Mulher. De Gaia nasceu Uranos, o
Céu. Também aqui "nascer" é um termo inadequado, pois Gaia não tinha
par: ela era plenamente ímpar, como tudo o que é singular. Talvez seja mais
adequado dizer que o Céu-Uranos foi um pedaço da Terra que se separou dela,
pondo-se acima a gravitar. Nessa época , a Terra era toda ventre, múltiplos
ventres. Cada ventre era uma caverna que
se estendia até o Caos, a imanência fértil. E foi por um desses ventres que
veio ao mundo Eros, o Amor. Este ocupou o lugar vazio entre a Terra e o Céu. O
Amor tem por força unir o que está separado. Pela ação do Amor, o vazio entre o Céu e a Terra foi
vencido: o Céu deitou-se então sobre a Terra,
e as estrelas do Céu plantaram-se
na Terra, tornando-se sementes. Foi assim que nasceu “Bios” ( a “Vida”) :
como estrela do céu tornada semente da terra. E
é de Bios que nasce tudo o que vive. De Bios nasceram o Tempo ( Cronos) , a Justiça (Zeus) , a Arte (Dioniso) e a Sabedoria (Atenas). Semente que nunca
seca, apesar dos atuais desertos, de Bios
continuam a nascer as crianças , as flores, os bichos, as ideias, os
poemas, as resistências, as utopias ...e o desejo de que amanhã seja um novo dia.
"Poesia é celestar as coisas do
chão."(Manoel de Barros)
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