quarta-feira, 14 de agosto de 2019

o nascimento de Bios


Segundo o mito, antes  de tudo  existia o Caos. Para os gregos, o “caos original ” não é destruição ou trevas. Um dos sentidos de caos é  “Abertura Ampla”, que não pode  ser cercada, limitada  ou contida. Manoel de Barros diz que “não se pode passar régua no Pantanal”, pois no Pantanal os rios saltam das margens e se horizontam. O Pantanal é o caos poético de Manoel.  E é por isso que em cada verso dele podemos achar aquela Abertura da qual vem um  ar vital  que não nos deixa sufocar. No mito, foi do Caos que nasceu a primeira divindade: Gaia, a Terra. A palavra "nascer" não é muito adequada, pois todo nascer pressupõe um pai e uma mãe. O Caos não é homem ou mulher, macho ou fêmea, tampouco o Caos é filho de alguma coisa. O adequado talvez seja dizer que Gaia emergiu do Caos, tal como uma ilha que sobe do fundo de um oceano insondável. Gaia é  a Ancestral Mulher. De Gaia nasceu Uranos, o Céu. Também aqui "nascer" é um termo inadequado, pois Gaia não tinha par: ela era plenamente ímpar, como tudo o que é singular. Talvez seja mais adequado dizer que o Céu-Uranos foi um pedaço da Terra que se separou dela, pondo-se acima a gravitar. Nessa época , a Terra era toda ventre, múltiplos ventres. Cada ventre era uma caverna  que se estendia até o Caos, a imanência fértil. E foi por um desses ventres que veio ao mundo Eros, o Amor. Este ocupou o lugar vazio entre a Terra e o Céu. O Amor tem por força unir o que está separado. Pela ação do Amor,  o vazio entre o Céu e a Terra foi vencido:  o Céu deitou-se então sobre a Terra, e  as estrelas do Céu  plantaram-se  na Terra, tornando-se   sementes.   Foi assim que nasceu “Bios” ( a “Vida”) : como estrela do céu tornada semente da terra. E  é de Bios que nasce tudo o que vive. De Bios  nasceram  o Tempo ( Cronos)  , a Justiça (Zeus) , a Arte (Dioniso)   e a Sabedoria (Atenas). Semente que nunca seca, apesar dos atuais desertos, de Bios  continuam a nascer  as   crianças , as flores, os bichos, as ideias, os poemas, as resistências, as utopias ...e o  desejo de que amanhã seja um novo dia.
                                                                                                                                                             
 "Poesia é celestar as coisas do chão."(Manoel de Barros)



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