Tempos atrás um amigo muito próximo
me procurou reservadamente e me disse: “Amigo, queria que você guardasse uma
coisa para mim. Ando tão indignado com as injustiças e vilezas que acontecem ao
meu lado, e também muito deprimido pelo efeito dessas coisas dentro de mim , que
tenho medo de usar isso contra alguém ou contra mim mesmo ”. Ele enfiou a mão
na pasta que carregava e tirou de lá uma arma, um 38. Por amizade pessoal a ele e “amizade política
aos outros” ( chamada por Espinosa de “virtude da sociabilidade”, base da
democracia), resolvi atender ao pedido do angustiado amigo e guardei a arma em minha casa. Apesar
de a ter guardado em um lugar bem escondido, era estranho para mim ter aquilo em casa. O direito à propriedade
deixa de ser um direito quando aquilo que se tem põe em risco a vida dos outros
ou a vida própria ( quando o proprietário de tal coisa perde a capacidade de
ser dono de si mesmo). Movido por essa ideia, passei a considerar que aquela arma não era
mais propriedade privada do meu amigo e
resolvi levá-la à delegacia para entregá-la ( àquela época havia um programa
nacional de desarmamento ) . Após receber e destruir a arma, o policial
me informou que eu teria direito a
receber 100 reais , pois o governo pagava pela devolução. Recusei o pagamento
por tal ato, o policial me olhou sem
entender. Desconfiado, e vendo que minha mochila ainda estava volumosa, ele perguntou se eu possuía ainda mais alguma
arma. “Sim”, respondi. Enfiei a mão dentro da mochila e retirei dela vários
livros: “Esta é a única arma em
que acredito: a educação”.
“Quando queremos lutar contra as monstruosidades que existem
no mundo, devemos tomar o máximo cuidado para que nós mesmos não nos tornemos
monstros.” (Nietzsche)
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