quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

a arma...


Tempos atrás um amigo muito próximo me procurou reservadamente e me disse: “Amigo, queria que você guardasse uma coisa para mim. Ando tão indignado com as injustiças e vilezas que acontecem ao meu lado, e também muito deprimido pelo efeito dessas coisas dentro de mim , que tenho medo de usar isso contra alguém ou contra mim mesmo ”. Ele enfiou a mão na pasta que carregava  e tirou  de lá uma arma, um 38.  Por amizade pessoal a ele e “amizade política aos outros” ( chamada por Espinosa de “virtude da sociabilidade”, base da democracia), resolvi atender ao pedido do angustiado  amigo e guardei a arma em minha casa. Apesar de a ter guardado em um lugar bem escondido, era estranho para mim  ter aquilo em casa. O direito à propriedade deixa de ser um direito quando aquilo que se tem põe em risco a vida dos outros ou a vida própria ( quando o proprietário de tal coisa perde a capacidade de ser dono de si mesmo). Movido por essa ideia,  passei a considerar que aquela arma não era mais propriedade privada  do meu amigo e resolvi levá-la à delegacia para entregá-la ( àquela época havia um programa nacional  de desarmamento  ) . Após receber e destruir a arma, o policial me informou  que eu teria direito a receber 100 reais , pois o governo pagava pela devolução. Recusei o pagamento por tal ato,  o policial me olhou sem entender. Desconfiado, e vendo que minha mochila ainda estava volumosa, ele  perguntou se eu possuía ainda mais alguma arma. “Sim”, respondi. Enfiei   a mão dentro da mochila e retirei dela vários livros: “Esta é a única  arma em que acredito: a educação”.


“Quando queremos lutar contra as monstruosidades que existem no mundo, devemos tomar o máximo cuidado para que nós mesmos não nos tornemos monstros.” (Nietzsche)



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