Certa vez, um antropólogo inglês
entrou na oca de um índio e viu uma máquina de escrever pendurada na parede da
oca como se fosse um objeto artístico.
Isso aconteceu em 1950, época em que a máquina de escrever era o símbolo técnico
da cultura autointitulada “civilizada”. O antropólogo nada perguntou ao índio,
retornando a Londres para tentar entender
aquele fato. Ele consultou teses e
tratados, porém nada encontrou na teoria
que explicasse o gesto do índio. Até que , de repente, ele olhou para a parede
de sua biblioteca e viu um arco e flecha pendurados como enfeite...Então, o acadêmico compreendeu que aquilo que ele
fizera com o arco e flecha, o índio fez com a máquina de escrever... Graças ao
ato artístico-subversivo do índio, o antropólogo compreendeu mais acerca de seu
próprio “mundo civilizado” do que lhe ensinaram os livros: ele aprendeu a
partir do outro um conhecimento que ignorava acerca de si mesmo. O que nos faz
enxergamos a nós mesmos nunca são nossos
próprios olhos costumeiros. O que nos faz nos enxergarmos, para assim nos
compreendermos, são olhares que vêm de
fora . É esse “fora” ,revelador de outras
formas de ver e viver , o que o poder
paranoico mais teme . A lógica do paranoico consiste em construir um muro, físico ou simbólico, entre “nós” e “os outros”. O paranoico não compreende que , na visão do
outro, nós é que somos o “outro”. O valor mais
universal não é o “nós rigidamente identitário”, mas o outro enquanto
expressão de uma diferença constitutiva da cultura humana. A democracia
consiste em fazer viver esse outro em nós como “devir-outro” de nós mesmos
, para não delirarmos paranoicamente que o nosso “nós” deve ser o “Modelo de
Verdade” a ser imposto aos outros. Se ao invés do antropólogo fosse o bozo a ser despido pelos
índios de sua pretensão em ser o portador de uma “Verdade Universal” , certamente os índios
ouviriam esta acusação paranoica dita por ele: “por vocês acharem que a ‘Verdade’ que defendo nada mais é do que
um ‘viés ideológico’ dissimulado , e que
o meu 'Universal' é só um particular que
se ignora particular, declaro vocês meus inimigos!”
(imagem: “ágora lúdica”)
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