O Poeta é semelhante a essa águia marinha
que desdenha da seta, e afronta os vendavais;
Exilado na terra, entre a plebe escarninha,
não o deixam andar as asas colossais!
Baudelaire
Poesia é voar fora da asa.
Manoel de Barros
Sonhar é acordar-se para dentro.
Mário Quintana
Sonhar é acordar-se para dentro.
Mário Quintana
(Do albatroz, as asas;
do sabiá, o canto;
do pardal, o andar em bando)
do pardal, o andar em bando)
O pássaro possuidor de maiores asas é o albatroz. A envergadura das asas do albatroz pode alcançar três metros, sendo inúmeras vezes maior do que o restante do corpo do pássaro.
O albatroz necessita de asas gigantes porque ele é o único ser que aceita o desafio do oceano. “Venha cobrir-me se tiver coragem!”, assim desafia o oceano a todo vivente. O oceano é o horizonte em todas as direções. As asas do albatroz são proporcionais ao tamanho do seu risco: horas voando, mesmo dias, sem poder pousar. Os pássaros de asas menores não ousam se aventurar muito distante da costa, seu território conhecido. A costa é objeto de tratados, mapas, cartilhas, ciência e opinião. Quando muito longe vão, os pássaros de asas menores assim o fazem indo de ilha em ilha, de conhecido a conhecido. Mas não o albatroz: este parte sem contar com ilha, porto ou qualquer outro lugar de parada. Ele vai aonde não alcança a vista. Ele conta apenas com suas asas, assim como Van Gogh contava apenas com suas tintas.
O albatroz pode ficar dias voando, mais de uma semana. Ele consegue assim voar porque a vida lhe inventou uma estratégia: enquanto voa, metade de seu cérebro parece adormecer, metade fica desperta.Depois, a parte acordada fecha os olhos e vai sonhar, enquanto que a parte que sonhava , agora renovada, desperta para ver. E nesta nova visão renovada o mundo também se renova. O que pode nascer quando o sonho e a realidade, ao invés de se negarem, se somam, se agenciam? No albatroz-poeta, a parte desperta olha a realidade adiante, a realidade objetiva, ao passo que a parte que sonha vê outra realidade não menos viva.E talvez seja essa parte lúdica a que de fato conduz todos os que "voam fora da asa": "acordando para dentro", ousam transver o que lhes está fora, para que as asas físicas se metamorfoseiem em asas de um Daimon , o ser das necessárias travessias.
O albatroz pode ficar dias voando, mais de uma semana. Ele consegue assim voar porque a vida lhe inventou uma estratégia: enquanto voa, metade de seu cérebro parece adormecer, metade fica desperta.Depois, a parte acordada fecha os olhos e vai sonhar, enquanto que a parte que sonhava , agora renovada, desperta para ver. E nesta nova visão renovada o mundo também se renova. O que pode nascer quando o sonho e a realidade, ao invés de se negarem, se somam, se agenciam? No albatroz-poeta, a parte desperta olha a realidade adiante, a realidade objetiva, ao passo que a parte que sonha vê outra realidade não menos viva.E talvez seja essa parte lúdica a que de fato conduz todos os que "voam fora da asa": "acordando para dentro", ousam transver o que lhes está fora, para que as asas físicas se metamorfoseiem em asas de um Daimon , o ser das necessárias travessias.
Sem o desafio do oceano, suas asas não teriam crescido. Mas não é por já ter grandes asas que o albatroz criou coragem e enfrentou o desconhecido. Ao contrário, foi o próprio desconhecido que, no albatroz, se fez asas e ímpeto: como um artista que não imita prévios modelos, o desconhecido criou tanto o albatroz quanto o oceano, e, na sua dessemelhança, os fez um para o outro. O albatroz é o desconhecido que atrai a si mesmo, sobre si mesmo plana, e vence o peso da gravidade, por todos conhecido. O voo do albatroz é a liberdade em exercício: desterritorialização absoluta que se faz sem cartilha.
Porém, no meio do oceano, por vezes o albatroz avista um navio. Ele recolhe então as asas e pousa sobre o convés deste solo imprevisto. No convés daquele cotidiano, a marujada está entregue aos afazeres utilitários: um lava o piso, outro ajeita a vela. Fazem o que fazem sem pensar porque o fazem : reclamam a má sorte, e xingam baixinho quem lhes dá ordens, enquanto sonham com o rum, a ilha do tesouro e pelo dia em que terão poder e acumularão ouro. Quando o albatroz começa a andar sobre o piso, a marujada cai na gargalhada. Zomba a marujada do andar desengonçado que o pássaro executa. Isso acontece devido às asas gigantes do pássaro, que só então revelam o peso que o pássaro, sem o vento, mal consegue carregar. Em meio aos homens, anda o albatroz sem jeito, inábil para agir no mundo rasteiro.O albatroz não cabe nele mesmo: no rasteiro do chão, sua liberdade parece, ali, inútil peso.
Mas logo o pássaro recupera sua força, pondo-se pronto ao esforço para vencer a si mesmo: subitamente, o pássaro de novo abre as asas, descobre no invisível uma escada, e sobe por ela como um nobre em direção ao altar onde será coroado. Sereno, mas firme, no céu ele voa: para além de si ele abre a vida que não cabe nele. No convés, a marujada cala a gargalhada e, em silêncio, eleva seus olhos muito além de proa e popa, leme e mastro: graças ao pássaro, a marujada por um instante se esquece de tudo, e voa no pensamento também.
Eleva-se o albatroz tão alto, que não o alcançam pedras,flechas ou mísseis.Tampouco o atinge a opinião dos homens : as mesmas asas que no limite do chão impedem-no de andar como todo mundo anda, no céu ilimitado elas são sua prova de nobreza, de coragem , de paixão. E quem ergue os olhos do chão avista em seu voo um libertário exemplo.
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