Segundo Deleuze e Guattari, o Contrato é um “aparelho de captura” que
funda as sociedades modernas. O poder não apenas reprime, ele também captura.
Ele captura desejos, pensamentos, vidas. Não é o modo de produção que define um
tipo de poder, é um tipo de poder que transforma a produção em modo. E o que se produz
primeiro é o que é capturado: ao capturar, o poder produz o que captura. O
Contrato é o principal aparelho da captura do estado moderno.
Todavia, apesar do
que comumente se pensa, antes de haver o contrato entre duas pessoas, há um
Contrato entre o Eu e o eu no interior de uma mesma pessoa. Tal é a natureza do
Contrato: um poder de subjetivação que cria um Sujeito. Mas este Sujeito nasce
cindido, ele é dois: Transcendental e empírico. O primeiro, o Eu
Transcendental, é o fiador moral , racional, da existência social, psicológica,
jurídica, econômica, enfim, da existência histórica e sensível do homem
empírico. É o Eu Transcendental que confere inteligibilidade ao que faz, sente
e fala o homem empírico. Ninguém nunca viu esse Contrato, embora sejam visíveis
os efeitos do seu rompimento. A mentira, a dissimulação, o engodo, a trapaça, a
maledicência, a imoralidade, a corrupção e tudo o que brota dela, são os
efeitos, entre outros, da quebra daquele Contrato. Quem o pode transgredir é
sempre o eu empírico, quando este torna cego o seu desejo. Mas sem o Contrato
que o torna uma Pessoa Moral, Política e
Econômica , o eu empírico torna-se o perverso, o subversivo, o marginal.
Se o Contrato já não pode capturá-lo pela subjetivação, o poder o tornará o
objeto de práticas objetivas de sujeição:
as prisões, os hospitais psiquiátricos, as excomunhões de toda ordem.
Em Espinosa, e aqui está um dos aspectos do seu anticontratualismo, o Eu
e o eu são idéias da imaginação, eles nascem das afecções corpóreas, ao passo
que a parte eterna da alma tem com o Absolutamente Infinito, a Natureza, uma
relação que não é de contrato, de subjetivação, mas de produção , de
objetivação de si através de uma prática de acordo com o pensamento que a
acompanha. Mais do que nos tornar sujeitos, a prática em Espinosa tem por causa
eficiente um pensar que nos faz agentes. A palavra “agenciamento” nasce de
“agente”. O agente é aquele que age. O agente
é o sujeito de um movimento, sobretudo quando este movimento é o pensar.
O pensar é um movimento que nos torna agentes, para assim vencer tudo aquilo
que nos separa de nossa potência de agir. Enquanto agentes, devimos sujeitos.
Mas só nos tornamos sujeitos agenciados. Pode parecer paradoxal, mas não se faz
um sujeito sem ao menos dois. Não dois sujeitos, mas dois processos .Só nos tornamos sujeitos na
imanência de um agenciamento. Para falar como Espinosa, o agenciamento é um
encontro, um bom encontro.
É sempre como parte de um agente
coletivo que nos tornamos agentes. Um sujeito coletivo é um agenciamento
cujas partes são agentes. O Eu e o eu não são agentes, eles são pacientes
de afecções que os produzem como sujeitos isolados , à parte de todo
coletivo, de toda multiplicidade.Espinosa afirma que existe uma comunidade de
essências. Nela, cada essência está conectada com todas de forma necessária.
Estar conectada não significa estar composta: a composição nasce de um
encontro, ao passo que a conexão é o que faz nascer cada coisa. A existência do
homem se acha afastada de sua essência. É por isso que a existência do homem
possui outras formas de comunidade distintas daquela que constitui as
essências. Mas não há como o homem aproximar sua existência de sua essência sem
que ele viva sua existência de acordo com a idéia de comunidade. O estado de
natureza, por exemplo, é ausência de comunidade exatamente porque a existência
se encontra separada da essência. Comunidade não significa homogeneidade. Ao
contrário, toda comunidade é complexa. É no plano da existência que ocorre a
composição: esta liga não apenas uma existência à outra, ela liga também cada
existência à sua essência mediante a essência comum que conhece ter com a
outra.A composição tem um termo contrário: a decomposição, a tristeza; mas não
há contrário à conexão, uma vez que isso corresponderia a um viver à parte da
realidade, como um todo à parte. Quando buscamos composições, bons encontro,
produzimos o necessário de acordo com a conexão necessária, a
multiplicidade, que nos produziu.
É preciso escapar de duas idéias
inadequadas: a primeira delas tem origem em Descartes, e crê que só nos
tornamos sujeitos quando nos identificamos com um cogito apartado paranoicamente do mundo; a outra ideia , imagem invertida da
primeira, ora com tons de cinismo , ora de ceticismo, municia os
diversos oportunismos que, pregando
o ocaso
do pensamento, anunciam o fim da
história e o triunfo do Mercado
Absoluto. Segundo tal oportunismo cínico, somente o Mercado seria
verdadeiramente o Sujeito.
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