Amar e odiar não se aplicam apenas
a pessoas, tampouco estão circunscritos a relações amorosas no sentido estrito.
Há os que amam cargos, postos, títulos, apetrechos tecnológicos. Em todo amor,
bem como em todo ódio, há um desejo envolvido. Quanto mais perfeito o ser que
amamos, mais indestrutível é o amor, nunca ele se converte em ódio. Ao
contrário, amar seres imperfeitos conduz , com o tempo, ao ódio. “Perfeição”,
em Espinosa, não nasce da comparação entre dois seres, mas da capacidade que
tem um ser de realizar uma ação, de acordo com sua maneira de ser. Perfeição
não é um “modelo ideal” ou um “dever ser”. Perfeição é o que um ser realiza, acentuando sua singularidade; logo, afirmando
ou potencializando sua existência. Na paraolimpíada que acabamos de assistir,
por exemplo, faremos uma ideia equivocada da perfeição se compararmos um
nadador paraolímpico com um olímpico, tomando este último como modelo, dado que
a ausência de um braço ou perna no primeiro somente é uma “falta” quando o
comparamos com o nadador olímpico que os tenha. Porém, nenhuma comparação nos
ensina a conhecer a singularidade de algo. Visto nele mesmo, em sua
singularidade, o nadador paraolímpico não se explica por algo que lhe falta,
mas por aquilo que ele é capaz de fazer. E neste fazer não há falta, há
potência como expressão da vida.
O ser mais perfeito, diz Espinosa,
é Deus. Se nos compararmos com ele nos imaginaremos menos que o nada: angustiados, nos
acharemos menos que um verme, e nos
odiaremos, nos desprezaremos, a nós e aos outros homens . Contudo, tal ideia é confusa : ela nada compreende
acerca do que somos, e menos ainda do que é Deus . Este não é
perfeito pelo fato de sermos vermes ou menos que nada. Ele é perfeito pela sua
capacidade de produzir, de existir. Deus é perfeito porque é incomparável,
assim como é incomparável tudo o que é singular. Nós somos um grau dessa
perfeição, uma modificação dessa perfeição: e mais perfeito seremos quanto mais
afirmarmos o infinito, “horizontando-nos”. Manoel de Barros dizia: “Não sou
afeito a comparamentos, o poema surge da comunhão”. Ser incomparável nada tem a ver com ser o
primeiro de uma escala que vai do primeiro lugar ao último. Ser incomparável é
ser único, fazer-se único.
Não é se comparando com outras
ondas, e muitos menos com o oceano, que uma onda afirma sua singularidade. Uma
onda afirma sua singularidade compreendendo que tanto ela quanto o oceano são
compostos de água, é a água que os une. E o fato de o oceano ser água de forma
infinita, isto em nada diminui a onda singular que lhe é uma parte, uma expressão,
pois o infinito não se compreende de forma quantitativa, dado que o infinito é
aquilo que se furta a toda quantidade e medida . Não é comparando-se com outra
que uma onda singular pode afirmar sua diferença e singularidade. Se uma onda
possui 30 centímetros e outra 20 centímetros, poderemos vasculhar à vontade a
onda de 20 centímetros que nunca acharemos nela, como realidade dada, os 10
centímetros a mais que a de 30
centímetros tem. Nenhum ser é constituído por aquilo que lhe falta. Portanto,
como poderia ser o que lhe falta o modelo para julgá-la imperfeita? Seria como
querer diminuir a lâmpada que ilumina nossa casa pelo fato de ela não ser um
sol. A luminosidade da lâmpada e a do
sol são graus da luz. Quando achamos a realidade da qual cada uma é um grau
diferente, libertamo-nos da propensão de compará-las como se nada elas tivessem
de comum. O nadador paraolímpico e o olímpico têm algo em comum: são atletas.
Cada um expressa esse comum de acordo com o que pode. E não é apenas com
braços e pernas que eles nadam, eles nadam também com a mente.
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