Segundo a
mitologia, Hades é a divindade que habita a região trevosa muito abaixo da
superfície da terra. Nesse lugar nenhuma luz entra.
Certa
vez, Hades ouviu risos vindo da superfície. Ele subiu e viu
Perséfone... Ela estava com sua mãe , a deusa Ceres. De “ceres” vem “cereal”,
pois Ceres é a divindade do plantio e colheita dos cereais. Ceres é filha de
Cronos, o Tempo, com Cibele, a divindade da fertilidade.
E foi em sua
neta Perséfone que a fertilidade de Cibele se tornou uma força criativa
semelhante àquela que vemos no artista, pois Perséfone é a deusa cuja arte é
fazer nascer flores. Perséfone mata outra fome diferente daquela que Ceres
mata: Perséfone mata a fome de beleza, de poesia e de cores.
Hades se
apaixonou pelas flores e quis levá-las para enfeitar sua noite eterna. Foi uma
imensa surpresa, pois ninguém imaginava que pudesse nascer em Hades um desejo
por cores.
Num ato
condenável, ele raptou Perséfone para fazê-la morar lá embaixo .
Porém, naquele mundo carente de luz , de Perséfone nasciam rosas só com
espinhos , sem as pétalas, flores da dor que elas eram.
Enquanto isso,
sentindo a falta de Perséfone, Ceres ficou deserta : o grão não mais germinava
nela. Havia agora fome de pão e de beleza, de pão e de poesia, e
ninguém sabia qual das duas fomes doía mais: a primeira esvaziava o estômago, a
segunda ao coração secava .
Zeus interveio e
foi feito então um acordo. Durante parte do ano Perséfone subiria para viver
entre nós, sua chegada nos trazendo a
primavera. Durante outra parte do ano, uma parte doída
para nós, Perséfone viveria lá embaixo . Desta maneira nasceu o inverno: o
período em que Perséfone desce para ir morar com Hades.
Mas para
nos confortar um pouco e minorar a tristeza pela sua ausência, Perséfone criou
flores que florescem no inverno. Foi assim que nasceram a Tulipa, a Angélica ,
o Crisântemo , a Orquídea e o Lírio que, como ensina Manoel de Barros, “brota de
monturos...”
Ontem começou o
inverno. Perséfone nos deixou...
Ainda bem que
pode nos socorrer e acalentar outra narrativa originária , uma
narrativa de autoria do povo tupi-guarani, cujo sangue também corre
nas nossas veias. Para esse povo,
o ipê é a árvore-filha mais potente e
perseverante de Pindorama, a Mãe-Terra; pois o ipê é capaz de
florescer o ano inteiro em resistente primavera, mesmo sob o inverno.
“Árvore da
Vida”, assim nossos povos originários chamam o ipê. Nem o inverno ,
nem os vis predadores armados com motosserra impedem o
ipê de dizer , florindo, o que o poeta Goethe disse em
versos: “O céu da teoria é cinza; mas sempre verdejante é a árvore da vida.”
(imagem: “Roots”
/“Raízes”, de Frida Kahlo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário