sábado, 28 de junho de 2025

Para adiar o fim do mundo...

Nesses últimos dias , falou-se muito em “fim do mundo”. Isso me lembrou um livro de Krenak:

Quando entrou em contato pela  primeira vez com a cultura do homem branco, o pensador indígena  Krenak dizia que a ideia mais incompreensível para ele era a  de que o mundo estaria condenado a um fim, a um “Juízo Final”. E o mais surpreendente era saber  que essa visão destruidora era a base de uma religião que se dizia do Amor.

Esse discurso  niilista  de que a Mãe-Terra teria um dia fim parecia legitimar que o homem branco  já começasse a destruí-la   desde agora,  derrubando  as florestas de Pachamama  e tudo o que faz ninho nelas, poluindo seus mares e rios, enfim,  ameaçando de extinção os povos da floresta e, por extensão, a humanidade inteira.

Mas os povos das florestas têm um antídoto que os protege.  Esse antídoto não está no cacique , o “chefe político”, ou no pajé, o “chefe religioso”; esse antídoto está naquele que é chamado de   “pessoa coletiva”.

Nos povos da floresta , a “pessoa coletiva” não é alguém com “muitos eus” ou “personalidades”. Diferentemente, a “pessoa coletiva” é aquela que diz narrativas que expressam o “nós” da comunidade.

Somente sendo uma “pessoa coletiva” se pode ser uma singularidade. A “pessoa coletiva” não profere ordens e nem pede cultos, ela tece narrativas. São as narrativas de uma “pessoa coletiva” que potencializam a comunidade para enfrentar as ameaças de fim de mundo.

A “pessoa coletiva” é o poeta da comunidade. Entre os povos da floresta, o poeta não tem nome próprio designando um ego, pois seu nome é “pessoa coletiva”. Não se trata, portanto,  de um poeta que  escreve poesia enquanto mero  “gênero literário”, e sim  poesia como produção de sentido umbilicado à vida, poesia que é vivida e partilhada como poética da re-existência.

O poeta da tribo expressa um poder  diferente daquele que exerce o cacique, o poeta   promove curas para enfermidades que o pajé não consegue  curar, e trava guerras cujas armas não são lanças ou flechas, pois sua guerra é a resistência por intermédio  da palavra que não deixa morrer um mundo :o mundo dos povos da floresta. 

 A “pessoa coletiva” é um “agente coletivo de enunciação”, diriam Deleuze e Guattari; e nela fontaneja um “afloramento de falas”, tal  como aflora na  pessoa coletiva Manoel de Barros, um dos poetas da nossa tribo-planetária.

Tanto em Krenak como em Manoel,  a resistência ao niilismo e suas formas reativas nada tem  a ver com otimismo ou romantismo , mas expressa aquilo que Espinosa em sua Ética chamava de “perseverança”.

Poesia que resiste ao “fim do mundo” é voz da multivariada comunidade humana, esteja ela nas florestas ,  cidades ou periferias, conscientizando de que  todos somos partes do planeta terra ,   nossa  aldeia comum .







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