quinta-feira, 22 de maio de 2025

urdidura & trama

 

Quem deseja tecer deve partir de uma “urdidura”. Não importa se são tecidos, textos, ideias ou ações que desejamos tecer: é sempre de uma urdidura que se parte.

“Urdidura” vem do termo latino “ordo” (em português: “ordem”). Como ensina Espinosa em sua “Ética”: em tudo há “ordo”, porém “ordo” não é tudo.

Toda urdidura é feita de fios dispostos retamente, como um destino, e disso já sabiam as mitológicas Moiras, que urdiam o destino dos seres humanos de maneira férrea, aparentemente inescapável, como as barras retas de uma prisão.  Mas apenas uma urdidura não forma um tecido de vida: é preciso a “trama”.

A trama nasce de um fio que passa transversalmente pela urdidura: a trama acrescenta ao férreo destino a invenção de fugas, de “linhas de fuga”.

Toda urdidura é sempre igual: reta e determinada. Porém, há múltiplas formas de se fiar uma trama. Não há trama sem uma urdidura, isso é certo; porém não há tecido, de pano ou social, sem a invenção de tramas.

Da “Moira Social” que o urdiu louco, Arthur Bispo do Rosário reencontrou sua transversal, seu “Fio de Ariadne”, e assim tramou sua lucidez como fuga da normalidade reta dos que pensam igual.

Embora toda trama parta de uma urdidura, nenhuma urdidura pode determinar que trama se inventará a partir dela.

A gramática é urdidura, porém trama é a poesia; a lógica é urdidura, mas pensar é trama; família é urdidura, amor é trama; Estado é urdidura, sociedade é trama; código jurídico é urdidura, justiça é trama; sistema político é urdidura, democracia é trama.

 

“A reta é uma curva que não sonha.” (Manoel de Barros)

 

“Não há linha reta, nem nas coisas e nem na linguagem.” (Deleuze)

 

“Quero descrever o voo de um pássaro

escrevendo com a pena de uma asa.” (Guimarães Rosa)


“A opinião de que a arte não deve ter nada com a política já é em si mesma uma atitude política.” ( George Orwell / livro: Por que escrevo)


 "Atravessamos tudo como a linha atravessa um tecido: formando imagens." ( Rilke)



(imagem : Bispo do Rosário / foto de Walter Firmo.  Aberto, horizontado, o “Manto” de Bispo do Rosário se torna   asas de uma borboleta nascida de uma trama-metamorfose)




 



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