quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Hoje, 19/12, dia do nascimento do poeta-pensador Manoel de Barros

 

Manoel de Barros ensina que poesia é “delírio ôntico”. A palavra “delírio” tem por raiz “lira”. Originariamente, lira é o instrumento tocado pelo poeta Orfeu. Ele não apenas tocava a lira, como também cantava.

 Cantar é esculpir  o sopro da voz, tornando escultor nosso Pneuma. Quem canta, partilha seu Pneuma, seu sopro vital, não apenas com o outro ser humano que o ouve, mas com todos os seres vivos, incluindo as plantas  .  Quem canta com o Pneuma, pois nem todo canto traz o Pneuma, também se liga ao cosmos inteiro.

“Lira” também era o nome dos sulcos paralelos  feitos na terra para neles serem lançadas as sementes, pois os sulcos lembram as paralelas cordas da lira. Assim, de-lirar é : “lançar a semente fora da lira”. E semente que cai fora do sulco não germina.

Mas quando nasce no pensador-criador uma ideia-semente nova, ele precisa criar também um novo sulco na terra, como uma nova sinapse que enriquece e amplia o cérebro.

“Ôntico” vem da palavra grega “on”: “ser”. Dessa maneira, “delírio ôntico” é criação poética de novos e diferentes  sentidos para o ser, incluindo o ser que desejamos ser.

O contrário do delírio ôntico é o delírio mórbido, delírio de poder, caracterizado pela palavra lançada fora de todo sulco, palavra que cai no árido deserto de ideias. Não é uma palavra que germina, é uma palavra morta de sentido, como todas aquelas que saem da boca de um fascista, palavras a serviço da destruição e morte.

Na obra Fedro, Platão dizia que a loucura é toda forma de comportamento que rompe com o “acostumado”, diria Manoel de Barros, de um viver padronizado instituído por um grupo.

Mas há duas formas de loucura, dizia Platão. A primeira delas é quando se rompe com os padrões comportamentais de um determinado grupo, porém indo acabar  recluso em uma realidade inferior, passando a se assemelhar mais  aos bichos  do que aos seres humanos. Dessa forma de loucura vêm os crimes, as desumanidades, as barbáreis...

E há a forma de loucura divina ( a palavra “divino” tem por sentido originário “luz fulgurosa”, como a do relâmpago). Nessa forma de loucura,   alça-se a uma realidade superior, realidade essa somente alcançável em quem vê nascer em suas costas as asas de Eros, as asas do Amor.

Essa loucura divina tem quatro níveis , cada um deles representado pelas divindades  Apolo, Dioniso, as Musas e o par Afrodite-Eros.

Apolo expressa o que Manoel de Barros chama de “transver”: um ver que vai além do meramente dado; Dioniso é a potência libertária de inventar caminhos, linhas de fuga: “O andarilho abastece de pernas as distâncias”(Manoel de Barros); as Musas são os aprendizados e saberes que vêm das artes; e o par Afrodite-Eros expressa a semeadora, Afrodite, e a semente , Eros-Amor: semente que liberta tudo aquilo onde germina e desabrocha ( em Lucrécio, por exemplo,  Vênus-Afrodite é quem guarda e semeia as sementes de tudo o que tem vida e brota).




 

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