quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

As duas cavernas

 

                                                          AS DUAS CAVERNAS [1]

 

A filosofia é uma prática dos conceitos, sem dúvida. Porém, para que seus conceitos sejam compreendidos ( e não sejam apenas teoria abstrata e sem vida), alguns filósofos  empregam recursos didáticos que aproximam a filosofia da literatura, pondo  próximos o  pensar e o sentir.

Por exemplo, é  comum um filósofo criar personagens, personagens filosóficos, para o auxiliarem na tarefa de apresentação de seus conceitos. Sócrates é, antes de tudo, um personagem filosófico de Platão. Heráclito faz de crianças brincando os personagens de sua filosofia ao tentar nos explicar, por imagens, o que é o tempo-devir.

Mas personagens filosóficos também podem ser animais. Assim é , para Hegel, a coruja; ou o tordo , na filosofia de Deleuze.

Às vezes, os filósofos também constroem “cenários”, algo que lembra teatro[2] ou cinema, para assim passarem seus conceitos. Por exemplo, uma “caverna”. Uma caverna pode ser um cenário que nos ensina questões filosóficas.

Há dois tipos de caverna: a caverna-limitação que rouba a visão do horizonte e aprisiona  na ignorância, como é a “caverna” de que fala Platão; e  há ainda uma caverna muito diferente, uma caverna como espaço clínico para metamorfoses: uma caverna-útero, uma caverna-casulo. Encontramos uma caverna assim  em Nietzsche, como o espaço de aprendizado-metamorfose pelo qual passou Zaratustra.

Quando Gaia, a Mãe-Terra, emergiu do Caos, abriram-se nela algumas cavernas que iam dar no Caos, nesse Útero-Originário. Pois o Caos inaugural  não é destruição ressentida do que nasceu; ao contrário, esse Caos-Arquetípico está aquém do Bem e do Mal:  ele é a origem de tudo o que nasce. Como ensina Nietzsche, “para brilhar e ter luz própria é preciso ter caos dentro de si.” A caverna poético-filosófica , caverna que gera ou regenera, abre-se sempre na imanência  de Gaia-Pachamama, a Mãe-Terra.

 

Enquanto a caverna de Platão rouba a amplitude da visão ( nascendo dela apenas ignorância e opinião negacionista) , a caverna de Nietzsche é um espaço transfigurador para a criação de novos olhos.

A caverna de Platão é a solidão numérica do rebanho, ao passo que a caverna de Nietzsche é a descoberta da singularidade .

Os que vivem na caverna de Platão imaginam que sua  caverna-apequenadora  é o próprio mundo ( limitados que são), mas a razão de ser da caverna de Nietzsche é para que,  após agirmos emancipatoriamente   sobre nós mesmos, saiamos dela  para assim agirmos  emancipatoriamente   também sobre o mundo, unindo a palavra à ação.

A caverna de Platão é a antifilosofia; já a caverna de Nietzsche a podemos achar não apenas em livros de filosofia, mas também em livros de poesia, de literatura, de sociologia, bem como em filmes, pinturas, música  e exposições.



[1] Texto-aula elaborado pelo prof. Elton Luiz.

[2] Esse é o tema do livro Theatrum philosophicum, de Foucault.

Nenhum comentário: