AS DUAS CAVERNAS [1]
A filosofia é uma prática
dos conceitos, sem dúvida. Porém, para que seus conceitos sejam compreendidos (
e não sejam apenas teoria abstrata e sem vida), alguns filósofos empregam recursos
didáticos que aproximam a filosofia da literatura, pondo próximos o pensar e o sentir.
Por exemplo, é comum um filósofo criar
personagens, personagens filosóficos, para o auxiliarem na tarefa de
apresentação de seus conceitos. Sócrates é, antes de tudo, um personagem
filosófico de Platão. Heráclito faz de crianças brincando os personagens de sua
filosofia ao tentar nos explicar, por imagens, o que é o tempo-devir.
Mas personagens
filosóficos também podem ser animais. Assim é , para Hegel, a coruja; ou o
tordo , na filosofia de Deleuze.
Às vezes, os filósofos
também constroem “cenários”, algo que lembra teatro[2] ou cinema, para
assim passarem seus conceitos. Por exemplo, uma “caverna”. Uma caverna pode ser
um cenário que nos ensina questões filosóficas.
Há dois tipos de caverna:
a caverna-limitação que rouba a visão do horizonte e aprisiona na ignorância, como é a “caverna” de que fala
Platão; e há ainda uma caverna muito
diferente, uma caverna como espaço clínico para metamorfoses: uma
caverna-útero, uma caverna-casulo. Encontramos uma caverna assim em Nietzsche, como o espaço de
aprendizado-metamorfose pelo qual passou Zaratustra.
Quando Gaia, a Mãe-Terra,
emergiu do Caos, abriram-se nela algumas cavernas que iam dar no Caos, nesse
Útero-Originário. Pois o Caos inaugural não é destruição ressentida do que nasceu; ao
contrário, esse Caos-Arquetípico está aquém do Bem e do Mal: ele é a origem de tudo o que nasce. Como
ensina Nietzsche, “para brilhar e ter luz própria é preciso ter caos dentro de
si.” A caverna poético-filosófica , caverna que gera ou regenera, abre-se sempre
na imanência de Gaia-Pachamama, a
Mãe-Terra.
Enquanto a caverna de
Platão rouba a amplitude da visão ( nascendo dela apenas ignorância e opinião
negacionista) , a caverna de Nietzsche é um espaço transfigurador para a
criação de novos olhos.
A caverna de Platão é a
solidão numérica do rebanho, ao passo que a caverna de Nietzsche é a descoberta
da singularidade .
Os que vivem na caverna
de Platão imaginam que sua caverna-apequenadora
é o próprio mundo ( limitados que são),
mas a razão de ser da caverna de Nietzsche é para que, após agirmos emancipatoriamente sobre nós mesmos, saiamos dela para assim agirmos emancipatoriamente também sobre
o mundo, unindo a palavra à ação.
A caverna de Platão é a
antifilosofia; já a caverna de Nietzsche a podemos achar não apenas em livros
de filosofia, mas também em livros de poesia, de literatura, de sociologia, bem
como em filmes, pinturas, música e
exposições.
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