Na Grécia, “travessia” se escrevia
assim: “eudaimonia”. Essa palavra também pode ser traduzida por “felicidade” (
chamada por Espinosa de “beatitude”). “Eudaimonia” significa: “estar na
companhia de um bom Daimon “. Só o bom Daimon auxilia na travessia. O Daimon era representado com asas de
borboleta, e não com asas de pássaro. Pois os pássaros já nascem com asas, já
as asas da borboleta somente nascem após a metamorfose de um ser que rasteja: a
lagarta. O caminho que leva da lagarta à borboleta não é reto e nem está
sinalizado, tampouco o ensinam cartilhas. Entre a lagarta e a borboleta há uma metamorfose. Uma metamorfose nada tem a ver com uma mera
transformação. “Trans-formar” significa: “passar de uma realidade menos
desenvolvida a uma mais desenvolvida dentro de uma mesma forma”, como a criança
que se desenvolve em adulto dentro da forma humana. “Metamorfose”, ao
contrário, significa: “conquistar uma
realidade nova que não estava contida na antiga forma”. A metamorfose ensina
que a antiga forma nada mais era do que prisão que nos acostumava a ser
lagarta. Manoel de Barros chama de “deslimite” a esse devir-borboleta. Deleuze
intitula “linha de fuga”. Linha de fuga não é fugir de algo, mas fazer fugir de
uma forma uma potência que ali era sufocada. A mais necessária das travessias
não se faz sobre caminhos já prontos e asfaltados, mas na conquista de uma nova
realidade que não existe antes de ser inventada.
“Borboleta é uma cor que
avoa”(Manoel de Barros)
BORBOLETAS
(Manoel de Barros)
“Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens
e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta -
Seria, com certeza, um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras
do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças
do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidades para a paz do
que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que
os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do
ponto de vista de uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul”.
*** *** ***
*** *** ***
“No mistério
do sem-fim
equilibra-se
um planeta.
E, no
jardim, um canteiro.
No canteiro,
uma violeta.
E, sobre
ela, o dia inteiro,
a asa de uma
borboleta."
(Cecília Meireles)
“Parecia que
ia morrendo
e revivia.
E girava
asas imensas,
maiores do
que a noite e o dia.
Rouca,
delirante, aguerrida,
pisando a morte e os maus agouros,
‘olé!’ – dizia."
( A
METAMORFOSE DE UMA BORBOLETA, Cecília
Meireles)
Meireles)
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