O poeta Manoel de Barros já passava dos 80 anos quando um editor pediu que ele escrevesse três memórias: da infância, da vida adulta e da velhice. Afinal, quem chega aos 80 anos parece que tem muito a falar de si...Depois de algum tempo, o poeta enviou ao editor o seguinte livro: “Memórias da primeira infância”. Meses depois, nova publicação: “Memórias da segunda infância”. Após novo intervalo, outra obra nasceu: “Memórias da terceira infância”. Como as memórias da vida adulta e da velhice não apareciam, Manoel foi indagado a respeito, e assim o poeta respondeu: “ só tive infância, não tive velhez: na ponta do meu lápis há apenas nascimento”. Para o poeta, a "velhez" não é uma idade, a "velhez" se vê em uma vida, individual ou coletiva, que se perdeu de seu "embrião" enquanto "pura potência"(Deleuze). Embrião não é o que precede a criança e morre para que a criança vire adulto e também morra, até que o adulto também morra para que venha o velho, para que esse enfim morra pondo fim ao reinventar-se da vida. O embrião não está num passado remoto morto. Mesmo o imenso e antiquíssimo rio amazonas tem seu embrião lá no alto dos Andes. É graças à vida de sua nascente que o rio também vive e persevera, sem se separar de seu “minadouro”. Em todo minadouro há uma criança que brinca inocentemente: lá onde nasce, o velho amazonas ainda é criança umbilicada à potência que gera.O embrião é a “origem que renova”. O embrião de nossa sociedade não é a Grécia antiga ou a Europa iluminista, estas são ainda partes do rio da história , não são o embrião-fonte enquanto “minadouro” sem o qual não podemos dar novo curso ao rio do tempo, para que este não seque nos atuais desertos de ideias. O embrião-fonte vive naqueles que, pessoal e coletivamente , põem nascimento naquilo que dizem e fazem aqui e agora, resistindo aos que são pedra e obstáculo para que a vida avance : “Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras - liberdade caça jeito.” (Manoel de Barros)
-imagem: Deleuze e seu filho Julian:
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