As intensidades do girassol são forças do tempo?
Cláudio Ulpiano
Um girassol se apropriou de Deus:
foi em Van Gogh.
Manoel de Barros
Um girassol se apropriou de Deus:
foi em Van Gogh.
Manoel de Barros
O
vídeo acima é a abertura do filme Os girassóis da Rússia , de Vittorio de Sica.
O plano geral mostra uma realidade ampla, aberta ao horizonte. Vemos incontáveis girassóis, um
campo de girassóis. Difícil determinar os limites onde termina essa multitudo
que parece não ter contornos, apenas limiares (que se estendem ao azul do céu). Englobando a multitudo, mas
sem encerrá-la em limites ou cercas, vemos um todo que a tudo horizonta. O todo
é um plano de imanência, uma abertura, sem a qual não pode haver um chão, um
território.
Então
, da perspectiva desse todo a câmera parece que
vai se fechando, diminuindo sua amplitude. Porém, se olharmos o que
acontece de outra perspectiva , veremos que a câmera vai ampliando uma outra
realidade que permanecia imperceptível enquanto apenas olhávamos para o todo.À
medida em que a câmera vai diminuindo de amplitude extensiva, outra amplitude
vai se mostrando aos nossos olhos: uma amplitude expressiva. Agora, começamos a
ver o que até então não víamos: percebemos a existência de um vento , ora suave ora mais forte, que toca e
agita a vida de alguns girassóis . Enquanto olhávamos para o todo, não
percebíamos esses acontecimentos que atingem apenas parte da multitudo. Um
mesmo acontecimento, o vento, provoca reações diferentes em cada girassol
distinto, conforme a maneira de ser de cada um: determinado girassol suporta o
vento de forma firme; outro se curva e parece que vai se quebrar, triste.
Começamos a ver então que a multiplicidade é
heterogênea, posto que composta de partes diferentes, singulares. Cada vez mais
essas partes vão perdendo a relação exterior e extensiva com o todo , e começam
a realçar seu estilo, sua assinatura, o seu ser um, sua existência única. Já
não vemos mais o todo, o horizonte. Percebemos agora três girassóis, em seguida
dois ,até que a câmera nos mostra um girassol.O girassol preenche toda a tela,
que outrora era preenchida pelo todo. Vemos que uma singularidade pode também
preencher e preencher-nos, mas de maneira intensiva, expressiva. Pois a
realidade que agora vemos se explica por cores, texturas, molecularidades.
Saímos de uma realidade extensiva e entramos em uma realidade
expressiva.Entramos, enfim, em nós.
O
girassol em sua singularidade continua a comunicar-se com o todo, porém através
de sua diferença, de sua singularidade. O todo está inserido nele ( como
essência íntima, diria Espinosa, como minadouro, complementaria Manoel) e ele
está inserido no todo, no horizonte.Enquanto víamos apenas as amplidões do
espaço, não víamos a realidade intensa do afeto que o singular expressa.
Na
linguagem do cinema, quando colocamos algo em primeiro plano , não importa o
que coloquemos, esse ser assim ampliado torna-se um rosto. Ele não ganha um
rosto: ele se torna , por inteiro, um rosto. Ele devém uma superfície que se explica apenas por valores expressivos,
intensos. Em toda expressão há algo implicado. Toda expressão é uma explicação.
A expressão explica, traz para fora, o que está implicado nela, o que lhe é
imanente.A expressão é esse duplo movimento onde o dentro e o fora enfim se
conjugam, potencializados em uma singularidade viva. Pois é isto que é um rosto
: a vida colocada em um primeiro plano expressivo.
Então,
o girassol parece viver/expressar alegrias, dramas, afetos, desejos: embora não
possua cérebro e nervos, um girassol também pensa e sente.
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