-Apresentação que escrevi para o belo livro do poeta Eduardo Maia :
Minas-douro[1]
O poeta Manoel de Barros dizia que “Quem se aproxima da Origem se
renova”. A Origem não está no passado que passou, a Origem é onde estão os “minadouros”.
Mais do que um poeta, Eduardo Maia é um cartógrafo cujo mapa cerzido em
palavras nos deixa ver uma Minas enquanto minadouro de lembranças, de pensares,
de questionamentos, de devires-criança:
Que recurso restaurará a vida estancada daquele menino
que brincava
debaixo da locomotiva a vapor
durante a parada
na estação?
(Versos do poema Vallão, p. 15)
Perto dos minadouros “as tardes são infinitas” (tomo a liberdade aqui de
parafrasear verso do poema Brincar na rua). São tardes que nunca terminam,
acolhidas que estão no poema.
Pois poeta é não apenas quem escreve rimas e versos, poeta é sobretudo
aquele que produz em nós um olhar para ver, expresso em palavras, o que vai
além das palavras, de tal modo que o próprio ver se torna minadouro.
O filósofo Gilles Deleuze chamava de “perceptos” a essas visões que a
palavra literária/poética tem o dom de produzir. Com artesania notável, Eduardo
Maia emprega as palavras para criar perceptos de Minas, de tal modo que
essa Minas fabulada por ele “nos põe asas” (aqui, parafraseio o verso que abre
o poema Santos Dumont).
Nesse devir-criança brincativo que Eduardo ao mesmo tempo narra e
inventa, até um “Manuelzinho” vem ser seu parceiro de peraltagens com as
palavras:
E ficava criança.
Criando.
Inventando.
(Versos do poema Imprima-se a lenda!, pág. 31)
De mapas precisam aqueles que ousam travessias. Não só travessias no
espaço, sobretudo travessias no tempo. Não o tempo do relógio, e sim aquele que
dura como alma das coisas, das paisagens e das pessoas. Para travessias assim,
como essa que nos abre Eduardo, “A felicidade não está nem na chegada, nem na partida”
(Versos do poema Travessia, pág. 40). A felicidade, ensina o poeta,
“está no caminhar” (parafraseio verso do poema Travessia).
Se na Primeira Parte de seu livro Eduardo Maia é um cartógrafo, na
Segunda Parte ele canta com sua lira. Como Eduardo mesmo escreve, ele se
empoema “Ensimesmado” (tomei de empréstimo o verbo “empoemar” de Manoel de
Barros, e tenho certeza de que o Eduardo aprova essa minha aproximação dele com
Manoel). Eduardo se ensimesma não em torno do ego, mas tornando-se “íntimo” da
palavra (ver poema Íntimo, pág. 55).
Afinal, não devemos esquecer que “lírico” provém de “lira”, o instrumento
tocado por Orfeu, o poeta originário. “Lira” também era o nome dos sulcos
cavados na terra, na Mãe-Terra, nos quais eram lançadas as sementes.
A lírica de Eduardo está umbilicalmente ligada à Minas, seu território
poético para desterritorializações singulares e horizontadoras. E é nesse sulco
que sua palavra-semente germina “polifonicamente” (ver poema Polifonia, pág.
105) e, “chovendo linguagem” (poema No inverno, pág. 71), faz-se “fonte”
(poema Blake, pág. 76) de uma água preciosa, como aquelas que brotam das
montanhas de Minas.
[1]
Por Elton Luiz Leite de Souza. Filósofo, professor da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro e Pesquisador da obra do poeta Manoel de Barros.

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