sábado, 29 de novembro de 2025

Apresentação do livro Quase ainda

 -Apresentação que escrevi para o belo livro do poeta Eduardo Maia :


                                          Minas-douro[1]

 

O poeta Manoel de Barros dizia que “Quem se aproxima da Origem se renova”. A Origem não está no passado que passou, a Origem é onde estão os “minadouros”. Mais do que um poeta, Eduardo Maia é um cartógrafo cujo mapa cerzido em palavras nos deixa ver uma Minas enquanto minadouro de lembranças, de pensares, de questionamentos, de devires-criança:

 

Que recurso restaurará a vida estancada daquele menino

 que brincava debaixo da locomotiva a vapor

 durante a parada na estação?

(Versos do poema Vallão, p. 15)

 

Perto dos minadouros “as tardes são infinitas” (tomo a liberdade aqui de parafrasear verso do poema Brincar na rua). São tardes que nunca terminam, acolhidas que estão no poema.

Pois poeta é não apenas quem escreve rimas e versos, poeta é sobretudo aquele que produz em nós um olhar para ver, expresso em palavras, o que vai além das palavras, de tal modo que o próprio ver se torna minadouro.

O filósofo Gilles Deleuze chamava de “perceptos” a essas visões que a palavra literária/poética tem o dom de produzir. Com artesania notável, Eduardo Maia emprega as palavras para criar perceptos de Minas, de tal modo que essa Minas fabulada por ele “nos põe asas” (aqui, parafraseio o verso que abre o poema Santos Dumont).

Nesse devir-criança brincativo que Eduardo ao mesmo tempo narra e inventa, até um “Manuelzinho” vem ser seu parceiro de peraltagens com as palavras:

 

E ficava criança.

Criando.

Inventando.

(Versos do poema Imprima-se a lenda!, pág. 31)

 

De mapas precisam aqueles que ousam travessias. Não só travessias no espaço, sobretudo travessias no tempo. Não o tempo do relógio, e sim aquele que dura como alma das coisas, das paisagens e das pessoas. Para travessias assim, como essa que nos abre Eduardo, “A felicidade não está nem na chegada, nem na partida” (Versos do poema Travessia, pág. 40). A felicidade, ensina o poeta, “está no caminhar” (parafraseio verso do poema Travessia).

 

Se na Primeira Parte de seu livro Eduardo Maia é um cartógrafo, na Segunda Parte ele canta com sua lira. Como Eduardo mesmo escreve, ele se empoema “Ensimesmado” (tomei de empréstimo o verbo “empoemar” de Manoel de Barros, e tenho certeza de que o Eduardo aprova essa minha aproximação dele com Manoel). Eduardo se ensimesma não em torno do ego, mas tornando-se “íntimo” da palavra (ver poema Íntimo, pág. 55).

Afinal, não devemos esquecer que “lírico” provém de “lira”, o instrumento tocado por Orfeu, o poeta originário. “Lira” também era o nome dos sulcos cavados na terra, na Mãe-Terra, nos quais eram lançadas as sementes.

A lírica de Eduardo está umbilicalmente ligada à Minas, seu território poético para desterritorializações singulares e horizontadoras. E é nesse sulco que sua palavra-semente germina “polifonicamente” (ver poema Polifonia, pág. 105) e, “chovendo linguagem” (poema No inverno, pág. 71), faz-se “fonte” (poema Blake, pág. 76) de uma água preciosa, como aquelas que brotam das montanhas de Minas.  

 



[1] Por Elton Luiz Leite de Souza. Filósofo, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Pesquisador da obra do poeta Manoel de Barros.





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