sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

manoel de barros:"o que é verdadeiramente novo nunca vira sucata"

No poema “Achadouros” , Manoel de Barros nos fala de uma  senhora, a "negra Pombada, remanescente de escravos do Recife", que  contava aos meninos sobre Corumbá ter “achadouros” , que eram buracos  feitos pelos   holandeses  em seus quintais para esconder suas moedas de ouro, antes de fugirem apressadamente do Brasil. Durante muito tempo em Corumbá, movidos pelo desejo de encontrar tais tesouros, os homens escavaram  quintais para ver se ali achavam ouro.O poeta é aquele que busca os achadouros também, mas o tesouro que ele deseja é outro : ele escava o ordinário e ali acha o extraordinário; ele escava o habitual e neste acha o incomum; ele cava em si mesmo e dentro de si ele acha o mundo ainda por descobrir. Ele acha, em meio ao barro, ao húmus, ele acha/inventa o ouro de uma vida da qual nunca cessam os inauguramentos.

Nietzsche dizia que o novo  sempre é novo, o estabelecido sempre o foi.É uma ilusão nascida da idéia de progresso ( e que faz par com a idéia de decadência) supor que o que hoje é estabelecido um dia foi novo, ou o que hoje é novo um dia será o estabelecido. O novo sempre foi, é e será novo. Ele antecede, sucede e é coetâneo a si mesmo, como metamorfose. A infância não é  apenas uma  época passada reportada a uma fase da vida,  a infância é "semente da palavra".  Aquilo que é realmente novo, sempre o foi e será; por outro lado, aquilo que é o estabelecido, o "acostumado" ( diria o poeta), sempre o foi e o será também. O novo nunca será o estabelecido, e o estabelecido nunca foi , outrora, o novo.É uma ilusão nascida  do tempo concebido linearmente supor que o novo hoje será, amanhã, o estabelecido; ou que o estabelecido hoje foi, ontem, o novo. Essa ilusão escamoteia um pré-julgamento: o que faz do estabelecido o critério para conhecer o novo. O estabelecido é a gramática, o "saber em tomos", a "expressão reta"; o novo é a agramática, a ignorãça, a infância da palavra, o feto dos nomes. O novo nunca é território: ele é sempre agente de desterritorializações.Os objetos viram sucatas: "Vi que tudo o que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel (...).Até nave espacial vira sucata" (2010b, p. 71). Todavia, os desobjetos poéticos são sempre fontes de invenção, e esta nunca vira sucata. 


Nenhum comentário: