Muitos
exaltam as linhas retas e os pontos; outros idolatram as alturas ou as profundidades. O homem racional,
por exemplo, crê que os caminhos seguros são apenas os retos, dos quais se
parte após um planejamento sem brecha para o acaso, e retilineamente a razão teoriza
seu porto: a Verdade. Os místicos, por sua vez, amam as alturas, as ascensões,
as elevações. Já os profundos vivem a mirar poços, abismos, que dizem existir
dentro deles.
Todas
essas imagens inspiraram doutrinas e visões do mundo científicas, religiosas ou
artísticas. Contudo, o mais surpreendente é a ideia da dobra. Deleuze associa a
dobra ao barroco. Não apenas ao barroco, como à própria vida. A vida é
produtora de dobras. Não há no vivo nada que se assemelhe a uma linha reta.
As
dobras são movimentos em duas direções: toda dobra implica algo, ao mesmo tempo que também desdobra alguma coisa. Em toda dobra algo está implicado, em toda
dobra algo pode ser desdobrado.Implicar e desdobrar.O desdobrar também recebe
outro nome: explicar. Aristóteles dizia que a finalidade da semente é se tornar uma árvore, e que a árvore já estaria dentro da semente, como forma final que a semente, enquanto potência, visaria atingir, para depois sumir, apagando-se. No mundo barroco, diferentemente, a árvore está dobrada dentro da semente. Ao nascer, a árvore explica a semente, a desenvolve. Porém, na árvore que cresce a semente continua a existir, mas implicada, dobrada virtualmente, de tal modo que a explicação ou desdobra não é a persecução de um fim, pois toda explicação vai em duas direções: explicação e implicação.A árvore explica-se , desenvolve-se, mantendo dobrada em si a semente que lhe está implicada, envolvida.
Todas essas palavras (implicar, explicar) têm como raiz, raiz rizomática, o termo “pli”. “Pli” significa exatamente, ou anexatamente, “dobra”.Implicar é o movimento pelo qual a dobra constitui um “dentro”, um interior. Não um interior fechado, limitado por contornos rígidos.É um interior como forma em rascunho, diria Manoel de Barros. Ex-plicar é trazer para fora (“ex”) o que está implicado, o que está dobrado. Todo desdobrar é um explicar, um desenvolver.O feto se desenvolve desdobrando o que nele está implicado: ao se desdobrar, o feto explica o que nele está implicado e, dessa forma, se explica.Tudo o que se desdobra explica a si e aquilo que nele está envolvido, implicado.Mais do que mera informação que vai em linha reta, o código genético é uma dobra que, ao se desdobrar, cria um organismo, e neste mesmo organismo o código permanece implicado, dobrado.
Todas essas palavras (implicar, explicar) têm como raiz, raiz rizomática, o termo “pli”. “Pli” significa exatamente, ou anexatamente, “dobra”.Implicar é o movimento pelo qual a dobra constitui um “dentro”, um interior. Não um interior fechado, limitado por contornos rígidos.É um interior como forma em rascunho, diria Manoel de Barros. Ex-plicar é trazer para fora (“ex”) o que está implicado, o que está dobrado. Todo desdobrar é um explicar, um desenvolver.O feto se desenvolve desdobrando o que nele está implicado: ao se desdobrar, o feto explica o que nele está implicado e, dessa forma, se explica.Tudo o que se desdobra explica a si e aquilo que nele está envolvido, implicado.Mais do que mera informação que vai em linha reta, o código genético é uma dobra que, ao se desdobrar, cria um organismo, e neste mesmo organismo o código permanece implicado, dobrado.
O
processo que vai da implicação à explicação se chama expressão.Toda expressão tem algo implicado nela e algo é
desdobrado dela. Uma expressão não re-presenta
ou re-apresenta algo que lhe esteja
fora ou ausente, tal como a palavra “casa” que re-apresenta a casa como seu objeto exterior, seu
referente . Diferentemente, a expressão não representa, ela expressa, ela
desdobra o que já está implicado nela. E o que está implicado nela é o sentido,
é a ideia expressiva, a essência. O feto desdobra sua essência, ele a explica e
assim se explica.
A
vida não é representativa: ela é expressiva, ela é uma expressão. Explicar é
desenvolver o que já trazemos implicado em nós.A semente explica ou desenvolve
o que está implicado nela. E o que está implicado nela não é uma essência
universal de árvore, mas a singularidade árvore, a essência singular de uma
árvore que nasce a partir de uma diferença.O que é uma árvore? Uma expressão da
vida. O que é um homem? Uma expressão da vida.O que está implicado no feto
humano não é a ideia universal de homem, mas a singularidade homem, a novidade
homem, o poema homem.Toda expressão, toda essência singular, traz e é o novo.
A
expressão nos mostra que o dentro e o fora não são termos dicotômicos, tal como
ensina a tradição filosófica. O fora é o dentro que se vai desdobrando e
explicando, o dentro é o fora mesmo implicado em nós.O subjetivo é carregado de
objetividade, a objetividade nada é se uma subjetividade não pode explicá-la. A
ciência diz que o universo surgiu da explosão de um ponto: este ponto que explodiu recebeu o
nome de “big-bang”. Contudo, talvez o big-bang não tenha sido a explosão
de um ponto (seguindo-se daí a diáspora do que antes foi uma unidade). Talvez o
que se chama de big-bang tenha sido o desdobrar do que estava implicado. E se o
infinito estava implicado, é infinito também o seu desdobrar.
Além
disso, todo desdobrar/explicar tem uma carga de invenção: o que é explicado não
é uma cópia do que está implicado.O feto não é uma cópia do código genético; uma
aula não é uma cópia de um texto ( que ela, no entanto, desdobra e explica).
Todo explicar, quando expressivo, é uma invenção de algo que está implicado,
mas virtualmente. Toda explicação é uma diferenciação. Explicar não é tanto
ensinar quanto é aprender: aprender com o que está implicado, e que nenhum
explicar pode esgotar.O aprender vem antes do ensinar.
Tudo
pode ser pensado assim, quando vemos e vivemos as coisas não como representação, e sim como
expressão.E tudo o que é expressão tem algo implicado que pode ser explicado,
desde que o explicado esteja implicado naquele que explica.Por exemplo, pode-se
falar representativamente da justiça, fazer da justiça uma representação que a
lei representa. Mas enquanto expressão, a justiça é algo que está implicado
naquele que a explica: a explica não exatamente fazendo leis, a explica em seus
gestos, em suas palavras, em suas ações.Não existe a “Justiça em Si”, como pensava
Platão.Existe a justiça implicada, envolvida, e que somente passa a existir se
for explicada, desenvolvida, criada. Pois aquele que assim explica a justiça explica
a si próprio, se inventa: existe como justo. O amor somente pode ser vivido
como expressão se ele estiver implicado naquele que o explica e desenvolve. E
se através da explicação do amor aquele que o explica também se explicar através
do amor que está implicado nele, somente assim pode-se confiar que este ama.Só
o amor está implicado na explicação que o desenvolve. O amor implicado e sua
explicação constituem a essência do amor como expressão. Toda explicação singulariza. Quando se tem de
uma coisa apenas a representação, entre ela e aquele que a representa passa a
existir então como que um vazio que será
preenchido por alguma coisa, por um clichê por exemplo, ou então esse vazio
será dissimulado por comportamentos impotentes, pois neles não estará implicado
aquilo que se quer viver.Quando vivemos algo como expressão, ao contrário, não
o vivemos apenas em palavras, o vivemos como aquilo que nos explica, pois está
implicado em nós e também em nossas ações.
As
coisas que estão implicadas podem entrar em relação com outras coisas dobradas.Essa
relação das coisas implicadas entre si, criando uma conexão ou rizoma, os
medievais chamavam , em latim, de “complicatio”. Complicatio significa : dobrado junto.Ou ainda: complexo.Tudo o que
está implicado em nós está complicado, dobrado junto, com o universo inteiro.
Não se pode explicar complicando. Ao contrário, toda explicação é um
desenvolvido de coisas implicadas que, por sua vez, estão complicadas com
outras.Não há complicação que não possa ser explicada, desde que se encontre o
que está implicado.E o deve estar primeiramente em nós, assim como o código da
vida que está na vida do feto.
É
desdobrando o complicado que se alcança o simples. Sim-plex: literalmente, "sem
dobra", posto que foi desdobrado.O simples não se opõe ao complexo, o autêntico simples é o que se desdobra do complexo, ele é aquilo que resulta do explicar o complexo.Além disso, algo sem dobra não é exatamente algo reto. O simples permanece ligado
sempre ao complexo, tal como o fio de Ariadne que , desdobrado, permanece
sempre ligado à complicatio de seu
novelo.E neste novelo estão implicadas todas as narrativas, estão implicadas
todas as narrativas que salvam, que criam percurso e inauguram linhas de fuga.A linha reta, ao contrário,
não tem novelo. Uma linha, dizem, é feita de pontos.Mas o ponto é o falso
simples, um simples meramente matemático.No começo não está o simples: o
simples somente surge como o produto cujo agente o desdobra de uma
complicatio, de algo complexo. Somente encontramos o simples após uma
explicação, e não antes dela.Tampouco existe o complexo sem o simples, e o
simples sem o complexo. E no meio de ambos estão a implicação e a explicação.
Singularizar
é intensificar. Cada um explica o que lhe está implicado de acordo com a
potência que tem.O que está implicado em mim está complicado com o que está
implicado em tudo .O Todo está implicado em tudo, e é por isso que o Todo é
complexo e se expressa em cada coisa simples. Uma explicação aumenta sua
potência quanto mais ela se percebe como não sendo uma explicação exclusiva, definitiva.
Toda explicação potente é uma forma em
rascunho que explica uma potência que nunca é puramente formal.
Uma
ideia, não importa qual, é uma expressão: ela implica algo e dá a possibilidade
de ser explicada por aquele que a vive.E
aquele que a vive também explica a si mesmo naquilo que ele explica e vive.
Os
estudiosos da vida nos dizem que aquilo que chamamos de “órgãos” são, na
verdade, dobras. O cérebro, por exemplo, é dobra sobre dobra sobre dobra...O
cérebro é todo dobrado sobre si mesmo.O cérebro é uma complicatio, mas simples é a ideia que faz pensar e ensina, educa.O
pulmão também é uma dobra: dobra esta feita de dobras.Quando se desdobra
fisicamente um pulmão, ele vira uma superfície do tamanho de uma quadra de
tênis. Assim, no horizonte de uma dobra
não está a altura nem a profundidade,tampouco o ponto; no horizonte de uma
dobra está uma superfície. Não o superficial, mas a superfície. A superfície
não é o raso por oposição ao profundo, ela também não é o baixo por oposição ao
alto das alturas.A superfície é a horizontalidade.No mito, a primeira divindade
a surgir foi Gaia, a Terra. Esta era caracterizada pela superfície.A superfície
é espaço de conexões.Não raro, há
alturas superficiais, bem como profundidades que são superficiais. Na origem da
dobra não está a linha ou o ponto, está a superfície.Em nós, os afetos estão
dobrados; quando os desdobramos, vem expressá-los a superfície do rosto.A onda
do mar, por exemplo, também é uma dobra: se esticarmos uma onda descobrimos que
ela nasce da superfície do mar.Os simples não são profundos, tampouco desejam ascender a píncaros. Os simples habitam as superfícies.Os simples habitam a Terra.A superfície é espaço de
travessias.
Um
livro quando vivo, quando faz viver,é uma dobra.Ele é dobra porque nele está
implicado o que está dobrado junto com tudo. Ele é uma dobra cheia de dobras.Lê-lo
é desdobrá-lo, é explicá-lo.Explicar o complexo é devir simples. Explicamos um livro de acordo com a potência
que temos. Mas o que está implicado no livro tem sua própria potência, que pode
sempre aumentar a nossa, desde que desejemos devir simples porque em nós está
implicado um sentido , uma questão.Ler um livro é desdobrar o que nele está implicado, e o que
está implicado nele está implicado em nós, pois não se trata de letras, mas de
ideias, de ideias expressivas.Livros assim têm uma potência de desdobramento
infinita, pois o infinito está implicado neles. E o infinito não começa e nem
termina, o infinito possui apenas meio. Tais livros não têm exatamente origem,
eles têm horizonte: é deste que eles nasceram.Lê-los é horizontar-se.
A Ética,
de Espinosa; O que é a filosofia? , de
Deleuze e Guattari; O livro de pré-coisas, O livro sobre nada e O livro das ignorãças, de Manoel de Barros; Gilles Deleuze: a grande aventura do pensamento,
de Cláudio Ulpiano; Moby-Dick, de Melville...São
livros-dobra : neles está implicada a
mesma potência que está implicada em cada coisa que vive, e é em nossa alma que
essa potência se desdobra e se explica, nos explicando, nos singularizando.
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