PROGRESSÃO , CONVERSÃO , SUBVERSÃO [1]
Os livros de filosofia costumam dizer que há duas maneiras de adquirir conhecimento: por progressão
e por conversão. A imagem que melhor traduz o conhecimento por
progressão é a de uma escada: aprender se torna um processo de subir degraus.
Começa-se no degrau do primário, passa-se ao degrau do ensino básico, depois
sobe-se ao degrau do ensino médio...até chegar ao degrau da faculdade. Aqui, há ainda os degraus dos períodos, depois o degrau do mestrado, sendo seguido
pelo do doutorado até chegar ao último degrau: o do pós-doc. Contudo, o que
caracteriza o conhecimento por progressão é que ele tem um começo e um fim ( o
pós- doc) , assim afirmando a lógica de um suposto “progresso formal-intelectual”
.
O conhecimento por conversão segue outra lógica: não a da escada que
sobe, mas a de uma mudança de caminho, uma guinada, uma virada. Con-versão: “voltar-se
para”. Em Platão, por exemplo, a conversão implica em um voltar-se para cima:
para o Céu onde moram as Ideias. Mas como chegar até lá? Para lá não há degraus
ou escadas. É preciso ter asas. Para Platão, o conhecimento não é um progredir,
e sim um retornar: um voltar-se para a Origem Transcendente.
Inspirando-se nos pré-socráticos, Deleuze afirma que há ainda uma
terceira maneira de adquirir
conhecimento: nem por subida de degraus, nem por ascensão por asas, mas por subversão.
E esse processo não é puramente acadêmico ou intelectual, mas existencial e
vital.
Subverter não é subir degraus e nem alçar às alturas, mas virar de cabeça
para baixo uma ordem de coisas dadas. Subverter é destruir, mas destruir para criar:
“Só podemos destruir/subverter sendo criadores”, afirma Nietzsche. O subversivo faz de suas mãos mais do que
asas: pois nelas, em suas mãos, ele carrega ferramentas para forjar uma
realidade nova, como Espinosa polindo lentes para subverter a visão. Assim, Espinosa
subverteu a imagem do filósofo: fez-se
artesão.
Enquanto a conversão busca um Céu
nas alturas, o subversivo quer a Terra, ele afirma a Terra como o verdadeiro
Céu. A progressão mira o alto de um podium, a conversão almeja o Céu, porém a
subversão constrói o plano horizontal das conexões que ampliam e expandem.
Heráclito, Lucrécio, Espinosa, Nietzsche, Marx, Deleuze...se inscrevem na
linhagem dos subversivos, cada um à sua maneira. Para eles, não se filosofa
para progredir em conhecimento hierárquico ou para fugir da terra, mas para
subverter os poderes que apequenam a vida, fomentam a superstição, exploram o
ser humano e ameaçam o presente e o futuro da terra.
A poeta Carolina de Jesus, por exemplo, subverteu a lógica da ignorância
que jogou livros no lixo: salvando os livros do lixo, Carolina de Jesus
subversivamente produziu riquezas de ideias e afetos que não se compram ou
vendem no “mercado”. No filme Meu amigo Nietzsche, o menino também
salvou a filosofia do lixo, subvertendo assim a pobreza e a exclusão. Arthur
Bispo do Rosário subverteu o lugar de louco no qual o confinaram, e com a arte
subverteu nossa compreensão do que é a lucidez.
Sem dúvida, é fundamental subverter a visão eurocentrada da filosofia, para
assim afirmamos o pensar original que brota das nossas periferias e lugares de
exclusão. Às vezes, para despertamos o filosofar é preciso subverter a lógica acadêmica
da filosofia , e assim unir o pensamento à vida.
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