Uma das ideias mais bonitas de Espinosa também é uma das mais difíceis de
ser posta em prática. Em Espinosa, as ideias nada são se não forem postas em
prática. É por isso que sua obra principal se chama exatamente “Ética”.
A ideia é a seguinte: “Não se vence o ódio com ódio, não se vence a
tristeza com tristeza. Tampouco ódio e tristeza podem ser vencidos apenas com
racionalizações, ou seja, com palavras. Só um afeto tem força para vencer um
outro afeto que lhe seja contrário. Assim, somente o amor tem força para
derrotar o ódio; apenas a alegria tem potência para vencer a tristeza. Não se
trata, claro, de termos amor ao tirano
que nos provoca ódio, e sim de gestarmos em nós amor à dignidade e à justiça, para assim
reunirmos força e coragem para vencermos as tiranias. Não se trata, claro, de termos amor à doença que nos entristece ,
e sim cultivarmos amor à saúde, inclusive a saúde da sociedade plural e
democrática, para assim termos forças para lutarmos contra toda forma de
enfermidade que entristece e despotencializa a vida.”
Ontem à noite eu conversava com um amigo que está muito triste, recluso
em casa e dentro de si mesmo, assim ficando por pensar nas “espurcícias do mundo”, conforme
diz o poeta Manoel de Barros.
Hoje bem cedinho eu estava lendo o poeta-filósofo Lucrécio. Parece até
que ele havia ouvido minha conversa com meu amigo e , solidário, nos oferecia
uma resposta sob a forma de filosofia em versos, como se fosse mão estendida.
Lucrécio diz mais ou menos o seguinte:
“Não há aurora que se siga à noite, nem noite que se siga à aurora, sem
que escutemos, ao mesmo tempo, o choro da criança que nasce para a novidade do
mundo e o choro triste de alguém que
parece desistir do mundo. Os dois choros, o da alegria e o da tristeza,
soam juntos . Se o choro da tristeza nos parece soar mais forte , é preciso partejar também em nós ouvidos que ouçam o choro das coisas
que nascem. Quem apenas tem ouvidos para
ouvir o choro da tristeza que mortifica, torna-se surdo às coisas que nascem;
mas naquele que são partejados ouvidos
para ouvir as coisas que nascem, desse ouvir também nascem igualmente palavras e ações para lutar não contra os
tristes, mas contra as causas da tristeza.”
Dizem que Espinosa sempre mantinha o livro de Lucrécio aberto sobre sua
mesa, como uma farmácia na qual podia encontrar o remédio certo e raro.
Segundo Lucrécio, filosofar e poetar nada são se não forem, antes de
tudo, o partejar de ouvidos que ouçam o choro de tudo o que nasce, e que , como um recém-nascido, requer a perseverança constante de nossos
cuidados.
"Nossa suprema felicidade consiste em realizar apenas aquelas ações
que o amor e a generosidade nos aconselham". (Ética, Parte Dois,
proposição 49, escólio)
Nenhum comentário:
Postar um comentário