sábado, 1 de junho de 2024

Lucrécio & Espinosa

 

Uma das ideias mais bonitas de Espinosa também é uma das mais difíceis de ser posta em prática. Em Espinosa, as ideias nada são se não forem postas em prática. É por isso que sua obra principal se chama exatamente “Ética”.

A ideia é a seguinte: “Não se vence o ódio com ódio, não se vence a tristeza com tristeza. Tampouco ódio e tristeza podem ser vencidos apenas com racionalizações, ou seja, com palavras. Só um afeto tem força para vencer um outro afeto que lhe seja contrário. Assim, somente o amor tem força para derrotar o ódio; apenas a alegria tem potência para vencer a tristeza. Não se trata, claro, de termos amor ao tirano  que nos provoca ódio, e sim de gestarmos em nós  amor à dignidade e à justiça, para assim reunirmos força e coragem para vencermos as tiranias. Não se trata, claro,  de termos amor à doença que nos entristece , e sim cultivarmos amor à saúde, inclusive a saúde da sociedade plural e democrática, para assim termos forças para lutarmos contra toda forma de enfermidade que entristece e despotencializa a vida.” 

Ontem à noite eu conversava com um amigo que está muito triste, recluso em casa e dentro de si mesmo, assim ficando por   pensar nas “espurcícias do mundo”, conforme diz o poeta Manoel de Barros.

Hoje bem cedinho eu estava lendo o poeta-filósofo Lucrécio. Parece até que ele havia ouvido minha conversa com meu amigo e , solidário, nos oferecia uma resposta sob a forma de filosofia em versos, como se fosse mão estendida. Lucrécio diz mais ou menos o seguinte:

“Não há aurora que se siga à noite, nem noite que se siga à aurora, sem que escutemos, ao mesmo tempo, o choro da criança que nasce para a novidade do mundo e o choro triste  de alguém  que  parece desistir do mundo. Os dois choros, o da alegria e o da tristeza, soam juntos . Se o choro da tristeza nos parece soar  mais forte , é preciso partejar também  em nós ouvidos que ouçam o choro das coisas que nascem.  Quem apenas tem ouvidos para ouvir o choro da tristeza que mortifica, torna-se surdo às coisas que nascem; mas naquele que são partejados  ouvidos para ouvir as coisas que nascem, desse ouvir também nascem igualmente  palavras e ações para lutar não contra os tristes, mas contra as causas da tristeza.”

Dizem que Espinosa sempre mantinha o livro de Lucrécio aberto sobre sua mesa, como uma farmácia na qual podia encontrar   o remédio certo e raro.

Segundo Lucrécio, filosofar e poetar nada são se não forem, antes de tudo, o partejar de ouvidos que ouçam o choro de tudo o que nasce,  e que , como um recém-nascido,  requer a perseverança constante de nossos cuidados.


"Nossa suprema felicidade consiste em realizar apenas aquelas ações que o amor e a generosidade nos aconselham". (Ética, Parte Dois, proposição 49, escólio)






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