sexta-feira, 21 de junho de 2024

Espinosa : a constância do sábio

 

Segundo Espinosa, entre o sábio e o  homem simples dotado de  um mínimo de discernimento e generosidade no coração, entre ambos  não há um abismo ou algo instransponível. A diferença reside no fato de o sábio conseguir viver de maneira  mais constante o que o homem simples vive de forma inconstante.

O homem simples às vezes experimenta o mesmo que experimenta o sábio, mas faz depender essa experiência dos jogos fortuitos da contingência, de tal maneira que   ele tem da compreensão apenas a faísca,  mas não a constância de sua luz contínua ou a intensidade de seu intuitivo clarão.

Na verdade, a inconstância se encontra mais do lado daquele que experimenta do que do experimentado. Amor, amizade, desejo, etc., não tornam inconstante quem os experimenta, mas esses afetos só se tornam constantes se já o for aquele que os experimenta.

Por isso, o sábio torna a si mesmo constante primeiro, de tal modo que mesmo do inconstante e do contingente  ele consegue formar uma ideia consistente, constante e necessária, pois ele  torna a si mesmo necessário primeiro.

Todos desejam que a alegria, o amor, a amizade, enfim, a felicidade os acompanhem. Todavia, poucos se esforçam para se tornarem dignos e merecedores de fazer companhia a essas virtudes da vida. Todos experimentam momentos de alegria, de amizade, de amor, de coragem, de conhecimento, etc, e imaginam que isso depende da sorte, ou mais do outro do que de si. O sábio torna constante isso que nos outros depende de momentos, pois no sábio tais afetos não dependem do momento e das circunstâncias, mas de um esforço que nada deve à sorte ( a “fortuna”) e que jamais será impedido por ideias confusas tais como "azar" .

A constância do sábio não se mede por aquilo que ele faz, não é uma repetição de comportamentos ou atitudes que vemos do exterior. Ele é constante, primeiro, em ser ele mesmo, em se esforçar para tal. O sábio não é constante por fazer sempre as mesmas coisas, ele é constante por fazer coisas diferentes sendo sempre ele mesmo.

Possuindo como raiz  o verbo latino stare , que significa permanência, a constância é a virtude de quem permanece o mesmo a despeito das circunstâncias. Visto assim , o sábio nada tem de privilegiado, pois privilegiado se imagina exatamente aquele que crê que a sorte o favorece, e que isto o exime de qualquer esforço. 

 Sobretudo, um sábio nunca se autointitula sábio ou ostenta sabedoria. Sábio é aquele cuja  vida que constituiu para si assim o chama. Sua sabedoria nasce do esforço e da  perseverança , mas sem perder a prática generosa do  amor e o afeto clínico da  alegria.  E disso a própria vida de Espinosa dá o testemunho.

 

“Todo desejo quer eternidade:

quer profunda, profunda eternidade!”

(Nietzsche[1])



[1] Quando viveu  a sua intuição profunda do Eterno Retorno, uma de suas ideias principais, Nietzsche acabara de ler Espinosa e saiu para caminhar. Ou seja, Nietzsche não teve tal intuição   lendo sozinho em seu quarto, apenas intelectualmente;  ele  teve a intuição caminhando, agenciado com o mundo e o sentindo intensamente, provavelmente tendo em sua mente e em seu corpo a companhia de Espinosa.









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