Segundo Espinosa, entre o sábio e o homem simples dotado de um mínimo de discernimento e generosidade no
coração, entre ambos não há um abismo ou
algo instransponível. A diferença reside no fato de o sábio conseguir viver de
maneira mais constante o que o homem
simples vive de forma inconstante.
O homem simples às vezes experimenta o mesmo que
experimenta o sábio, mas faz depender essa experiência dos jogos fortuitos da
contingência, de tal maneira que ele tem da compreensão apenas a faísca, mas não a constância de sua luz contínua ou a intensidade de seu intuitivo clarão.
Na verdade, a inconstância se encontra mais do lado
daquele que experimenta do que do experimentado. Amor, amizade, desejo, etc.,
não tornam inconstante quem os experimenta, mas esses afetos só se tornam
constantes se já o for aquele que os experimenta.
Por isso, o sábio torna a si mesmo constante primeiro,
de tal modo que mesmo do inconstante e do contingente ele consegue formar uma ideia consistente,
constante e necessária, pois ele torna a
si mesmo necessário primeiro.
Todos desejam que a alegria, o amor, a amizade, enfim,
a felicidade os acompanhem. Todavia, poucos se esforçam para se tornarem dignos
e merecedores de fazer companhia a essas virtudes da vida. Todos experimentam
momentos de alegria, de amizade, de amor, de coragem, de conhecimento, etc, e
imaginam que isso depende da sorte, ou mais do outro do que de si. O sábio
torna constante isso que nos outros depende de momentos, pois no sábio tais
afetos não dependem do momento e das circunstâncias, mas de um esforço que nada
deve à sorte ( a “fortuna”) e que jamais será impedido por ideias confusas tais
como "azar" .
A constância do sábio não se mede por aquilo que ele
faz, não é uma repetição de comportamentos ou atitudes que vemos do exterior. Ele
é constante, primeiro, em ser ele mesmo, em se esforçar para tal. O sábio não é
constante por fazer sempre as mesmas coisas, ele é constante por fazer coisas
diferentes sendo sempre ele mesmo.
Possuindo como raiz o verbo latino stare , que significa permanência, a constância é a virtude de quem permanece o mesmo a despeito das circunstâncias. Visto assim , o sábio nada tem de privilegiado, pois privilegiado se imagina exatamente aquele que crê que a sorte o favorece, e que isto o exime de qualquer esforço.
Sobretudo, um sábio
nunca se autointitula sábio ou ostenta sabedoria. Sábio é aquele cuja vida que constituiu para si assim o chama. Sua sabedoria nasce do esforço e da perseverança
, mas sem perder a prática generosa do amor e o afeto clínico da alegria. E disso a própria vida de
Espinosa dá o testemunho.
“Todo desejo quer eternidade:
quer profunda, profunda eternidade!”
(Nietzsche[1])
[1]
Quando viveu a sua intuição profunda do
Eterno Retorno, uma de suas ideias principais, Nietzsche acabara de ler
Espinosa e saiu para caminhar. Ou seja, Nietzsche não teve tal intuição lendo sozinho
em seu quarto, apenas intelectualmente; ele teve a intuição caminhando, agenciado com o
mundo e o sentindo intensamente, provavelmente tendo em sua mente e em seu
corpo a companhia de Espinosa.
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